Wednesday, February 23, 2011

Até que a morte os separe

Bom, já não vale a pena tentar ocultar por muito mais tempo aquilo que é evidente.

A minha gata arranjou namorado.

Sei que poucas coisas na vida me prepararam para isto, mais dia menos dia vou ter de a chamar à parte para termos "a conversa", mas pai é pai e eu só tenho de dar o meu melhor nessa matéria. Bem vistas as coisas, este relacionamento só me causa verdadeiro transtorno por volta das 6h30 da manhã, quando a bicha decide vir agredir-me os tímpanos à base de guinchadeira, para que lhe abra a porta da marquise e a deixe ir para junto do seu amor. Então, o que acontece é que eu me levanto com o aspecto e a disposição de um ogre ressacado, tento fazê-la parar de chiar com um ou dois biqueiros bem aviados, e quando dou por mim minutos mais tarde aos patardões à mobília, lá lhe faço a vontade e depois volto p'rá cama. É que esta brincadeira ainda aleija.

Portanto, posto isto não mais ouço o vil felino até à hora de me levantar para ir para o trabalho. É remédio santo.
Ela sobe para um escadote que está junto à parede e fica especada a olhar para o vidro que separa a marquise do prédio ao lado. Um vidro fosco, mas que antecipa a silhueta do seu mais que tudo.

E eu nem me importaria assim tanto se a sua paixão não fosse...

... na realidade...

...

...

UM POMBO MORTO!!!

...

...

Isto, tal qual.

Vamos lá esclarecer uma coisa antes demais: eu odeio pombos. De morte.
E atenção que este indivíduo, sendo pombo, até apresenta uma característica que eu valorizo neste tipo de passaredo. Que é estar morto.
Mas confesso que desejava melhor para a minha gata, uma relação que lhe perspectivasse um futuro e que, acima de tudo, não lhe obrigasse a andar com o tão desagradável odor a cadáver no pêlo.

Indiferente a este aspecto, TODO o tempo livre que a bicha tem é para ser passado de maneira inerte e lânguida a olhar para a desgraçada silhueta por detrás do vidro fosco. E isto é quando tem acesso à marquise. Quando não tem, prefere azucrinar-me o juízo deixando bem explícito que não está onde queria estar. Ou seja, a olhar para um estúpido pombo morto que, sejamos sinceros, não vai a lado nenhum.

Eu não percebo a malta nova de hoje em dia.
E também não percebo como é que alguém, por mais idiota que pareça ou por mais pontiagudas que sejam as suas orelhas, pode achar piada a pombos... É que das garras nojentas à ponta do bico, passando pela penugem encardida e à extraordinária expressão de atraso mental no olhar, estes bichos não trazem nada de alegre ou positivo à minha existência. Absolutamente ZERO.

E eu até acredito que hajam pombos a falar mal de mim também.
Mentira, não acredito nada nisto porque os pombos não falam.
De qualquer maneira, eles podem também não simpatizar comigo e por isso não me importava se entre nós houvesse um ou dois oceanos de distância.

Não vou chegar ao ponto de dizer que gostava de eliminar toda esta espécie da face da Terra. Acredito que este género de passarada sirva para alguma coisa, que tenha um qualquer importante papel no mundo como servir de acendalha para as lareiras ou de chop suey de frango nos restaurantes chineses, mas por favor que assim seja o mais longe de mim possível. Estaria até disposto, caso surgisse um projecto sério e com viabilidade, a permitir que substituissem todos estes animais na zona da grande Lisboa por cascavéis e víboras. Não me importava nada de estar a tomar café numa esplanada da Baixa e a sacudir cobras das calças ao mesmo tempo... Era um preço justo a pagar para correr com os imbecis pombos. O único problema seriam os idosos. Em vez de atirarem milho teriam de começar a arremessar ratinhos vivos nos jardins públicos, o que seria bizarro e, porque não dizê-lo, repugnante. Isto embora seja esta mais uma prova da má onda que é a pombaria. Apenas os efeitos regressivos e atordoantes da senilidade conseguem fazer com que um ser humano nutra algum afecto por eles. Portanto, estão a ver as peças...

E a minha gata perdida de amores por um destes bichos... Ainda por cima um que já bateu a bota há uns dias valentes! Haja estômago e paciência para aturar isto, senhores.

Ainda por cima o buraco fétido e imundo que este palerma escolheu para falecer... Não lembra ao diabo!
É nada mais nada menos que um espacinho minúsculo, de uns 2m por 20cm, que separa o prédio onde estou a viver da habitação ao lado. Um espaço que não serve para nada, mas que a existir estava-se bem de ver que era um convite à pombaria para fazer o seu pior. Em pouco tempo essa "miniatura de corredor" foi palco de defecação, camarata nocturna e leito de truca-truca para dezenas e dezenas de pombos. E este tipo de actividade, com o passar do tempo, gerou uma camada de caca, penas e sei lá mais o quê que nem quero imaginar, em cima da qual, estilo cereja no topo do bolo, foi assentar aquele que parecer ser o noivo da minha gata.

Bonito serviço.

É com este ramalhete de maravilhas que tenho de lidar no dia-a-dia.

Agora, se relativamente ao namoro da bicha não há muito que eu possa fazer, que é sabido que nestas idades se um tipo proíbe é pior a emenda que o soneto, já quanto ao facto de ter o cadáver de um pombo a desfazer-se perante a minha vista a coisa muda de figura. Vou mesmo ter de tomar providências...

Amanhã encarrego a minha mulher de tratar do assunto.

Wednesday, February 16, 2011

Enfim, uma pitada de jindungo

A vida tem coisas curiosas.

Não, não estou a referir-me aos indivíduos que costumam estar atrás das dunas a topar as gajas na praia. Falo dos pequenos pormenores que fazem a diferença no dia-a-dia e que dão um toque de especiarias à vivência de um tipo. Sei que há malta que não gosta particularmente de especiarias, longe de mim estar a querer comparar a existência a caril, mas para contar o que aconteceu penso que se adequa a imagem gastronómica.

Ora, quem lê este blogue sabe que para mim "Dia dos Namorados" e "Desastre" são dois conceitos muito amigos. Tal como relatei em Fevereiro do ano passado neste post, eu quis levar a minha mulher a jantar fora, ao restaurante Barra do Quanza em Belém, e no meio da ventania, do frio glaciar e da cascata incessante de água a embater-me na tromba, fui incapaz de encontrar o sítio e acabei a fungar e a comer pizza em casa. A sorte é que na altura tinha uma garrafa de tinto disponível e ao fim de três copos cheios parecia que não havia problema nenhum e que aquilo era um programa romântico como qualquer outro.

Passado praticamente um ano, e sendo que por causa deste episódio a minha mulher só voltou a dirigir-me a palavra há três meses, grande foi a minha surpresa quando recebi um comentário neste blog em nome do tal restaurante.

Rezava o seguinte:

"Caro Amigo, tomámos conhecimento da sua odisseia de 14 de Fevereiro de 2010 e decidimos que o mínimo que podíamos fazer era convidá-lo para uma “segunda tentativa”, esta por nossa conta (desta vez coroada de êxito, esperamos) e por isso tomámos a liberdade de desde já reservar uma mesa para duas pessoas para o próximo Dia dos Namorados, esperando que aceite o nosso convite o que muito nos honraria, um abraço, José Reis."

...

Confesso que inicialmente me cheirou a moscambilha. E bem feita, por sinal.
Da mesma maneira que, há uns tempos atrás, os meus colegas se entreteram a ir à minha página de Facebook e declarar-me fã de artistas tão exóticos como Justin Bieber, Adam Lambert ou Tokyo Hotel, a minha reacção imediata foi de achar que outro qualquer terrorista estava decidido a fazer-me passar por novo "massacre de São Valentim".

Já irado e prestes a fechar o portátil com violência, decidi olhar segunda vez para o comentário e lê-lo com mais atenção. Inclusivamente reparar num post-scriptum que me indicava o número para o qual devia ligar caso aceitasse o convite. E eu assim fiz...

Senhora - Estou sim, restaurante Barra do Quanza.

Eu - Estou. Eheh (nervoso) estou a ligar porque... (gaguejo) colocaram um comentário no meu blogue... Eheheh (mais nervoso)

Senhora - ...

Eu - Por causa do Dia dos Namorados do ano passado... (a suar) É para dizer que aceito o convite e confirmo a reserva... (soluço)

Senhora - Com certeza, como se chama?

Eu - Eheheh (mais nervos) André Oliveira.

Senhora - Ah sim! O casal que não conseguiu encontrar o restaurante. Muito bem, está confirmado. Obrigado e até dia 14.

Eu - Obrigado, bom dia.

...

...

Portanto...

...

O CASAL QUE NÃO CONSEGUIU ENCONTRAR O RESTAURANTE!!!

...

Era assim que eu era conhecido.

E, custa-me dizê-lo, com toda a razão... De facto, foi exactamente isso que aconteceu.
Não o casal, mas eu. EU não consegui encontrar o restaurante! Perdi-me em Lisboa, afinal de contas apenas a cidade em que vivi toda a minha vida, e condenei a minha cara-metade a um serão espartano e a uma gripe de duas semanas. Isto era o tipo de pessoa que eu era... Mas agora algo de surpreendente tinha acontecido e era-me dada a oportunidade de fazer as pazes com o universo e corrigir o erro cometido há um ano atrás. Era então altura de assumir que, a menos que um qualquer inimigo meu, talvez o urso cujo passatempo favorito é riscar-me o carro, se tivesse dado ao trabalho de criar uma conta no blogger com o nome do restaurante, clonar o número de telefone e imitar com perfeição a voz de uma senhora para me atender, afinal o convite sempre era verdadeiro. Portanto, uma boa notícia, uma especiaria perfumada no refogado do meu dia, e uma irrecusável chance de redenção.

Esperei pelo dia 14 como uma criança pequena espera pelo Natal.
Ou como o Padre Frederico espera pelo toque de saída de uma escola primária.
Enfim, com excitação e gulodice.

E quando ele chegou vinha com o carimbo de qualidade do dia homónimo do ano passado: escuro e com um temporal a cavalo. Maravilha, pensei eu. Os fantasmas do passado voltavam para me assombrar. Mas eu não conseguiria continuar a viver se não os exorcizasse de vez. E isso por uma variedade de razões:

1.
Eu próprio levaria o carro dispensando assim um qualquer seboso com carteira de taxista. Portanto, EU seria o meu próprio seboso! Bem sei que à partida e para quem conhece a minha condução, este item mais parece um ponto contra do que a favor. No entanto, e até ver, o carro sempre podia tornar-se num sólido abrigo em plena intempérie, caso alguma coisa corresse mal. E o risco, convém dizê-lo, era elevado.

2.
Desta vez, contaria com a ajuda do GPS. Sim, mais um objecto com uma eficácia questionável quando falamos da minha pessoa. Afinal de contas, e para quem se lembra, também no ano de 2010 sucedeu isto. Por outro lado, convém referir que eu até me entendo com a vil maquineta quando tenho um co-piloto ao meu lado. Preciso de alguém para operar o GPS e para filtrar as indicações que ele me dá. Quando isso acontece, a nossa relação já corre menos mal. Mas ainda assim longe de correr bem...

3.
Pedi à minha mulher para ir ao Google Maps e imprimir o percurso que vai do trabalho dela em Santos até ao restaurante. Eu iria lá buscá-la e seguiríamos a partir dali. O percurso impresso seria a "cereja no topo do bolo" e a garantia que nada, mas mesmo NADA, poderia falhar desta vez.


Vai daí, mal saí do trabalho a missão começou logo mal.

Parei na bomba para pôr gasolina e constatei imediatamente que a ventania conduzia a chuva de modo a que esta se me emplastrasse com violência na cabeça e nas costas. Dizem que a natureza é sábia mas comigo é sempre uma besta. São feitios...

Eu que até tinha tido o cuidado de vestir uma roupinha melhor, estava agora encharcado mesmo antes sequer de me pôr à procura do que quer que fosse... É o que se chama abrir com chave d'ouro. Sim, sentia o frio a entranhar-se-me nos ossos... Mas havia alguma maneira de eu ter a mangueira a espichar gasolina sem me submeter àquele flagelo? Não, pois não?

Ensopado que nem um pinto lá me enfiei na viatura e pus-me a caminho para ir buscar a minha mulher. Mulher essa que, quando cheguei, também me esperava, ensopada, à porta do emprego. "Isto está a correr tão bem...", pensei eu. E estava.

Depois, confesso que tremi. Uma primeira tentativa frustrada de dar com a rua do local fez-me duvidar de que toda aquela panóplia resultasse. Pior que isso, fez-me reviver todo o drama do ano passado e a eventualidade de um possível divórcio. Uma mulher, por muito paciente que seja, tem limites, e eu insisto em abusar deles todos!

Voltei para trás e tentei fazer o percurso pela segunda vez. Recapitulemos: a ideia era ir de Santos para Belém, mas do lado do rio. E foi quando dei por mim e estava a caminho de Campo de Ourique que disse para o lado:

- Sabes, às tantas nós não merecemos que nos convidem para jantar nenhum... A sério, a verdade, por muito que nos custe, é que somos estúpidos. - ainda mais perto de Campo de Ourique. - Estúpidos que dá dó! Às tantas não merecemos sequer jantar hoje...

Eu disse-lhe isto sem que ela comentasse. E ela fez-me um verdadeiro favor em abster-se, acreditem. Bem sei que se o não o tivesse feito, o chorrilho de palavrões seria tal que nem o "Dicionário Universal Jorge Jesus" lhe faria frente. Calou-se e isso de certa forma ofendeu-me. De tal maneira, que gerou em mim uma reacção intempestiva...

Enchi o peito de ar. Reprogramei a porra do GPS. Chamei a mim a ajuda divina de Santo Onofre e das ceroulas da velha do cabelo roxo e persegui o meu destino como se a minha vida dependesse disso. E pelo olhar raiado de sangue da minha mulher, vai-se a ver e até dependia...

Lá dei com o Barra do Quanza.

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(Obrigado)

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(Obrigado)

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(Pronto, já chega)

...

Caso hajam para aí mais totós como eu, convém dizer que o restaurante tem um recém-criado site que esclarece todas as dúvidas acerca da sua localização. Agora sim!

O restaurante serve um misto de comida brasileira e africana e, tal como eu suspeitava, é muito bom. Não só pelos sabores mas também por estar onde está, apesar de ter sido precisamente isso que me impediu de o conhecer mais cedo. Mas além da comida e do sítio, recomendo o Barra do Quanza também pela "boa onda" que demonstraram relativamente ao meu texto e pela simpatia com que me receberam. Não tive a oportunidade de cumprimentar o José Reis que teve a amabilidade de colocar o comentário aqui no blogue mas pude dar um "bacalhau" ao Carlos Moral, chefe cozinheiro, e de lhe dizer que estava tudo uma delícia. E não é por não ter pago, atenção. Posso não saber cozinhar mas sei devorar como poucos. E quem me conhece sabe bem que é verdade.

Pretendo lá voltar com amigos, agora que já sei onde fica, e desta vez para fazer despesa, claro. Porque uma boa "casa", um produto de qualidade e um espírito positivo é o melhor marketing que se pode fazer. Sem pretenciosismos nem caganças. Para mim, é assim um bom restaurante.

E já agora acabo este post com algo que me aconteceu há uns dias e que constitui, por si só, a antítese disto mesmo...

Fui a um outro restaurante ver o Benfica espetar dois ao Porto para a Taça de Portugal. Até aqui tudo jóia. Na ementa vi um prato chamado "Arroz de Lombinhos de Caranguejo do Alasca". Pensei para comigo "Quem é o anormal que vai pedir uma coisa destas...?". Sorri de troça. Veio o empregado. Pedi esse mesmo prato e uma imperial. E o que veio para a mesa foi arroz de marisco ordinário e insosso. Tal qual. Nem lombinhos, nem caranguejo e, escusado será dizer, nem Alasca. Assim, não me admirou que o empregado passasse o resto do serão a perguntar se eu queria mais cerveja. Pudera. Não fosse estar toldado pelo álcool e tinha-lhe enfiado um dos camarões ressequidos onde o sol não brilha...