Sunday, December 26, 2010

Então esse Natal? Lá foi...

- Então esse Natal? – pergunta-me um ou outro conhecido, ao passar por mim na rua.

- Lá foi… - respondo eu, enquanto atravesso para o passeio contrário, evitando assim o arrastar da conversa.


Não que tenha algum tipo de aversão a falar sobre a quadra. Ou mesmo que tenha aversão à quadra em si. Custa-me é participar em conversa de chacha.

Quando as pessoas perguntam “Então esse Natal” é de um “Lá foi…” que estão à espera, e não de “Fui p’ra cama à beira do vómito, com azevias até à boca do esófago!” ou “Tive um claro prejuízo no balanço das prendas recebidas e oferecidas…” ou até de “Estive a uma unha negra de arrancar a garganta de um dos meus primos à dentada”. Não que eu sinta vontade de dar uma destas respostas mas sei que pode ser a realidade para algumas pessoas.

A verdade é que ninguém é verdadeiramente sincero no “troco” que dá às questões sobre o Natal e a razão é simples: tirando aquela malta que detesta mesmo a época natalícia e que se recusa a celebrá-la, como o velhaco Gargamel dos estrunfes ou os judeus, o resto sente que dizer mal do Natal é dizer mal da família, das crianças e, acima de tudo, da paz no mundo.

Nada mais falso, diga-se. Um tipo pode perfeitamente detestar a família, desprezar as crianças e cuspir na paz no mundo e continuar a apreciar o Natal. Cada coisa é uma coisa.

Os católicos gostam do Natal porque, no fundo, estão a celebrar o aniversário de alguém que veneram. E fazem-no no conforto do lar, junto ao calor da lareira, em sossego com aqueles que lhes são importantes. Nada de “E se Jesus quer ser cá da malta...”, não é um desses aniversários. É uma festa mais íntima em que, por regra, à uma da manhã está tudo "a aquecer a água para se ir deitar" (como eu amo esta expressão...)

Depois também há quem, como eu, não seja católico mas veja no Natal uma espécie de festival temático anual, com algumas particularidades tradicionais interessantes, sabores regionais de primeira linha e músicas alegres. Claro que não podemos generalizar e achar que todos os sabores regionais feitos nesta quadra são de primeira linha ou que os milhões de cantigas natalícias aconchegam mas... Acho que me faço entender. A média acaba por ser quase sempre bastante positiva. E a média é que importa.

No entanto, há coisas no Natal que são, à falta de melhor termo, enormemente insuportáveis.
Mesmo muito!
E era um favor que me faziam se para o ano todas elas deixassem de existir.
Acho que tornaria o Natal uma época ainda mais intensa com um índice de aceitação mais próxima dos 100%, mais campanhas de solidariedade para ajudar os desgraçadinhos que fazemos questão de ignorar o resto do ano e mais gestos de carinho para com familiares a quem depois não atendemos o telefone. Tudo para o melhor, portanto.

Para dar um avançozinho aos trabalhos, que isto de limar arestas é coisa que leva algum tempo, principalmente quando falamos do Natal, deixo aqui uma lista completa daquilo que, a meu ver, deveria deixar de existir. E notem que quando digo "a meu ver" é o mesmo que não dissesse nada. Porque como vejo muito bem, quase tanto como a águia que foi despedida pelo Benfica (sempre a inovar, este glorioso), isto deixa de ser opinião. É uma lista daquilo que não devia transitar para o Natal de 2011 e mainada! Aqui vai ela:



LISTA DAS COISAS QUE SE VERIFICARAM NO NATAL DE 2010, ASSIM COMO SE VERIFICAM TODOS OS NATAIS, E QUE CONVINHA NÃO SE REPETIREM EM 2011.


1.
A MALDITA CANTIGA DO CORO DE SANTO AMARO DE OEIRAS

Aos 28 anos, penso que cheguei a um ponto em que já não consigo traduzir por palavras o tumulto interior que sinto quando ouço esta vil cantilena. Há uma ou duas expressões em swahili que estão lá muito perto, uma outra em cantonês, mas nenhuma faz real justiça...

QUE CANCRO ATROZ! Na falta de melhor foi esta...
Será que não há mais nenhuma música que crianças pequenas possam cantar para enternecer a porra dos corações?! Em dezenas de anos não houve um campeão qualquer que se chegou à frente e disse "Ehpá tudo muito bem, o Coro de Santo Amaro de Oeiras e tal, mas isto já é um bocado demais e está na hora dos putos cantarem outra coisa..." NUNCA! COMO É QUE ISTO NUNCA ACONTECEU?!

Isto para não falar no estranho que é termos visto a mesma música, a exacta mesma gravação, a ser "cantada" em playback durante anos por crianças diferentes. Os mesmos versos, a mesma voz, na boca de dezenas de miúdas diferentes, de várias formas, raças e feitios, no mais mal engendrado truque de ilusionismo de sempre. A mim não me enganam eles. Eu já cantei uma vez num karaoke e sei bem do que falo.

Não sei onde andam os miúdos originais que cantaram aquilo mas afigura-se-me que hoje serão mais velhos do que eu. E aqueles que não estão presos terão certamente na cabeça um capacete de eléctrodos...

Portanto, a minha primeira exigência está em abolirem de vez esta canção, ok? Não é preciso nada demais, apenas queimar todas as cópias já feitas, os originais e as pautas e arrancar o coração pelas costas a qualquer um que comece a trauteá-la no futuro. Se houver organização e rigor a coisa faz-se.


2.
AS CASCAS DE LARANJA NO BOLO REI

Está bem de ver como é que isto aconteceu. Uma Filipa Vá Com Deus qualquer andava toda atarefada a fazer bolos rei, uns atrás dos outros, quando sem querer despejou o balde das cascas para dentro da massa. Depois de perceber a burrada que tinha feito e de berrar alto e bom som o "Manual de Ética e de Bons Costumes dos Mangas de Alfama", concluiu que tinha apenas duas soluções: ou admitia o erro, deitava tudo para o lixo e passava o Natal a caldos Knorr por causa do prejuízo ou deixava aquilo ficar e dizia que agora se comiam cascas caramelizadas no estrangeiro.

Como esta é a frase que mais convence os portugueses... A coisa pegou. E apesar de toda a gente fazer uma careta quando mastiga o sabor acre da casca de laranja, todos continuam a comer.

Vá lá ver uma coisa...

HÁ UM NOME PARA AS CRIATURAS QUE COMEM CASCAS DE LARANJA.

E O NOME É PORCO.

Os porcos é que comem as cascas todas, os caroços e tudo mais que se atire para a pocilga. Se por baixo das cascas estiver um bolo rei também não são eles que se vão queixar.

Portanto, vamos lá fazer um resumo...

Pinhões OK

Passas OK

Fruta cristalizada OK

Cascas de Laranja NÃO

...

Portanto, a minha segunda exigência está em manterem o lixo onde ele pertence: no caixote. Deixem as iguarias na composição do bolo, sim senhor. Bolo esse que é delicioso, não há dúvida. Agora meterem-lhe cascas por cima é o mesmo que cobrirem a Soraia Chaves de vomitado. Faço-me entender?


3.
A LEOPOLDINA

Sim, eu sei que é um pouco contrasenso falar da Leopoldina e não falar da recém-criada Popota. No entanto, esta segunda tem em si um certo carácter "slutty" que me atrai bastante. E como tenho muito respeito pelas pêgas em geral prefiro dirigir o meu ódio à pássara e apenas à pássara.

Já não há paciência para a história do "mundo encantado dos brinquedos" e para as operações plásticas que a bicha faz de ano para ano. Antes parecia um frango voador com obstipação, agora parece a Angelina Jolie com cabeça de avestruz. O formato muda mas a bizarria continua. Acho mal é chatearem a Lili Caneças por parecer um boneco de cêra e nem abordarem as intervenções cirúrgicas da pássara maldita. E quem diz a Cinha Jardim diz a Leopoldina. Enfim...

"- Mas como seria possível acabarem com a Leopoldina, Saguim?! Ela é um ídolo para as crianças!" exclamam as vozes na minha cabeça, com bastante estupidez.

Uma criatura amarela com olhos esbugalhados.... Um ídolo para as crianças.
Na minha terra, quem é amarelo e tem olhos esbugalhados é toxicodependente. Não é avestruz.
E que eu saiba, ser ídolo para as crianças não é o objectivo de nenhum deles. Pelo menos não à primeira vista. Parecem-me bem mais preocupados com outras coisas.

Portanto, é para acabar sim. Só enerva! "Ah e tal comprem os brinquedos manhosos da pássara que nós damos metade para os Hospitais e fazemos o favor de ficar com a outra metade para nós... Caso seja preciso ir à bica ou assim..." Por favor, já chega!


4.
O NATAL DOS HOSPITAIS

Que é, ao contrário daquilo que muitos pensam, a principal causa de morte em Portugal Continental. O momento em que todas as enfermeiras se esquecem de dar os medicamentos aos pacientes, a altura em que se desligam todas as máquinas dos Cuidados Intensivos para alimentar a mesa de mistura da banda do Marco Paulo. Mais letal do que uma pasta de dentes chinesa.

Além disso, há também o carácter ALTAMENTE DEPRIMENTE que se encerra no nome "Natal dos Hospitais". Ok, eles estão lá fechados e muitos não voltarão a ver a luz do dia. Sabemos disso tudo. Por isso em vez de lhe chamarem literalmente aquilo que é, podiam chamar-lhe "Natal da malta com boa saúde", "Natal dos indivíduos que qualquer dia ainda vão aos Jogos Olímpicos" ou "Natal dos tipos que, saindo das cadeiras de rodas, ainda se portariam muito bem na cama com a Helena Coelho"... Enfim, só para dar umas ideias.

Agora, "Natal dos Hospitais" parece-me desadequado. No nome e no formato. Há artistas que hoje em dia só fazem aquilo, chega a ser mais importante para eles do que para os próprios doentes. É o seu Rock in Rio. E isso chega a ser mais triste do que aquele conto do Hans Christian Andersen em que uma miúda queima fósforo após fósforo até patinar no gelo (e atenção que neste caso, patinar significa mesmo morrer).

Portanto, já era altura de acabarem também com isso e devolverem a alegria à quadra. Assim como assim, ninguém se lembra que há gente nos hospitais quando se está a encher o bucho com sonhos e filhozes. A menos que se coma tanto que se tenha de ir a um. Mas isso também já não me acontece há alguns anos...


5.
GATOS NO NATAL

Deixei esta para o fim por ser a mais pessoal e também aquela que à partida pode indicar às pessoas que o meu estado mental não é o mais são. Se eu tivesse colocado este ponto no princípio, no lugar de todo o discurso coerente e muito correcto que tive até agora, dificilmente leriam até ao fim. Mas pronto, é mais ou menos isto: no Natal, os gatos deviam ir de férias para longe. Tipo Palma de Maiorca ou Lloret del Mar, como fazem os estudantes nas viagens de finalistas.

Isto porque os gatos, como é sabido, adoram os enfeites que penduramos na árvore. Adoram.
Mas adoram-nos mais no chão do que nos ramos, o que torna a convivência entre felinos e árvores de Natal quase impossível. A menos que se tomem as devidas precauções...
No ano passado eu tomei-as e não tivesse hoje quase todos os meus pertences em caixas de cartão voltaria a tomá-las.

Ouvi dizer que os gatos não gostavam do cheiro a citrinos. Vai daí, comprei um detergente com aroma a limão, preparei uma solução com água e borrifei a árvore toda. Coisa que até podia ter corrido mal porque as luzes já estavam ligadas. Mas enfim, lá a borrifei na mesma.

Não resultou. A gata continuava a violentar a árvore.

Vai daí, decidi deixar os produtos artificiais de lado e apostei na "real thing". Peguei num limão, cortei-lhe tiras de casca e pendurei-as nos ramos, como se de enfeites se tratassem.

Não resultou. A gata divertia-se a roer os ramos e a dar patadas nas bolas.

Irritei-me. Fui buscar o piri-piri e untei as pontas dos ramos. Sorriso demoníaco no rosto. Em pleno Natal.

Resultou mais ou menos. Ela apercebeu-se que roer os ramos talvez já não fosse grande ideia mas continuava a disparar grandes murraças nos enfeites.

Era preciso algo mais. Algo que a mantivesse à distância.

Pimenta. Muita.
A árvore ficou assente em pó branco. Tanto que parecia neve... E o Natal prosseguiu, mais calmo do que nunca.

Foi, porém, uma solução de recurso. Nada me garante que a minha gata não está numa dieta intensiva de especiarias, ela passa muito tempo sozinha durante o dia, preparando-se para um novo frente-a-frente com a árvore que está agora empacotada algures. De bom grado lhe pagava um fim de semana no Íbis para me poupar a tal chatice.



E é isto. Tudo o resto pode continuar, com peso e medida claro está, que não me importo.

Agora é começar a pensar no Natal do ano que vem, que a malta não se safa sem Natais.
Eu nem tirava as luzes das ruas que era para não se perder o espírito.
E admiro a postura do Sporting por estar em "modo Natal" desde o início da época.

Se não é o Sporting a dar o exemplo...

Tuesday, December 14, 2010

E agora algo completamente repugnante

No prédio onde eu trabalho mora uma senhora de idade.

Coisa que, até ver, não tem nada de mal.
Se calhar até lá mora mais do que uma, mas esta digamos que tem aquele toquezinho de bizarria e, porque não dizê-lo, de repugnância, que lhe dá bastante destaque.

Para começar tem o cabelo roxo.
O que não é assim tão original. Muitas e muitas velhotas da mesma geração decidem chocar a malta nova e levantar assim o dedo médio para o mundo. Os punks usam pulseiras com picos, a malta do rock usa calças de cabedal, os anões usam escadotes e as pensionistas, algumas, preferem expressar-se através da cabeleira. A mim não me faz confusão. Não percebo a mensagem mas também não entro em conflitos por causa disso. E se o problema fosse só este nem sequer valia a pena estarmos aqui a falar.

A idosa que vive no prédio onde labuto...

Eu já tinha percebido que a velha gostava de palheta. Não foi uma nem duas vezes que me apanhou na escada e aproveitou a oportunidade para trocar impressões acerca do estado do tempo ou de como os vizinhos são "gente que não interessa". Eu fui obrigado a concordar dado que o único vizinho que conhecia era de facto ela e ela, de facto, não me interessava. Nem ela nem o cabelo roxo que a avaliar pela solidez e pelo aspecto mate, não deve ver água há uma catrefada de meses. Mas enfim, sempre sem perder a gentileza e o sorriso amarelo na cara, a minha maneira de lidar com esta situação era passar por ela tão rápido que quase lhe fazia saltar a dentadura contra a parede, com a força do vento.

Coisa que não me impediu, ainda assim, de passar por alguns dissabores.
O primeiro, ainda conhecia mal a peça, aconteceu quando eu e um colega nos preparávamos para entrar no prédio, cruzando-nos com a velha no hall de entrada. Ofuscado pelo fedor da carapinha roxa, passei depois pela porta dela e reparei que a tinha deixado aberta. Confesso que a minha reacção inicial foi de entrar-lhe por ali adentro, limpar-lhe o ouro e as pratas e depois incriminar o meu amigo. Mas como tive medo que ele me lixasse primeiro, que isto hoje não se pode confiar em ninguém, concentrei-me antes na minha segunda reacção: entrar por ali adentro, limpar-lhe o ouro e as pratas e acertar-lhe com um candelabro na testa quando voltasse, para que não houvesse nada que me associasse ao sucedido. Porém, também isso ficou por fazer. Primeiro porque nasciam em mim sérias dúvidas que houvesse naquela casa ouro e pratas. Plástico talvez. Rançoso. Agora ouro e pratas, afigurava-se-me pouco provável. Depois porque com o capacete roxo, seria preciso bem mais do que um candelabro para lhe abrir um lenho fatal na tola. Assim, deixei-me estar.

E assim fiquei, a ouvir os apelos samaritanos do colega que me acompanhava, preocupado que um qualquer bandido depenasse o que havia para depenar do burgo da velha. Farto daquele choramingar, acedi a chamá-la de volta e alertá-la para o lapso. Ele lá foi e eu fiquei na escada à espera, apenas para partilhar os louros da boa acção. Quando a velha voltou, decidiu exprimir os seus melhores agradecimentos convidando-nos, a mim e a ele, para entrar e TOMAR UMA BEBIDA...

...

...

... até insistiu e tudo...

...

Vá lá ver... Não estamos a falar de nenhuma cota toda p'rá frentex e ainda p'rás curvas. Não que isso fizesse alguma diferença porque sou muito fiel à minha mulher e tudo (até porque ela lê o blogue) mas não é de todo disso que estamos a falar. Falamos sim de uma avó, que eu agradeço aos céus não ser a minha, mas ainda assim aquela que podia ser a avó de alguém.

Se queremos entrar para tomar uma bebida?!

Os dois de uma vez?!

Então e a velha não ia sair?!!!

Bom, esperei que o silêncio e o ridículo da situação recusassem o convite por mim e voltei para o trabalho. Sendo que os primeiros quinze minutos do horário laboral foram passados a esfregar as mãos com pedra-pomes e a cuspir vigorosamente para o lavatório da casa de banho de serviço.

Eu nem faço ideia do tipo de bebidas que a anciã teria para me oferecer, além do copo de água onde demolha a dentadura durante a noite, claro. De qualquer maneira para levar a dela avante comigo era bom que tivesse alguns barris de aguardente da boa, que só em coma alcóolico e com uma pipa emplastrada na nuca é que eu lhe fazia a vontade. Enfim, ele há coisas...

Passaram-se algumas semanas até que a voltasse a ver. Para isso muito contribuiu a minha faceta de roedor nocturno, fugindo vigorosamente sempre que o mais ténue ruído soava na escada do prédio. Mas não podia evitá-la para sempre. Não a ela.

Um dia, estava eu a praticar natação na piscina que também já mencionei num post anterior (pelas piores razões, diga-se), quando um camarada meu se sentiu mal e foi necessário que eu fosse buscar a carteira dele ao escritório. Nessa altura fiz aquilo que qualquer bom amigo faria: exigi o respectivo pagamento pelo serviço e lá fui acudi-lo. Quando entrei no prédio, espavorido, quem estava lá? Eu acho que vocês sabem quem.

Sorrateira como um traque num elevador, pairou sobre mim apanhando-me completamente desprevenido. Também ela queria a minha ajuda. Mas desta vez, diz que era PARA LHE ABRIR A PANELA DE PRESSÃO.

...

Eu não sei que tipo de pessoa anda à coca dos indivíduos que passam à porta para lhes pedir que "lhe abram a panela de pressão". E escrevo-o entre aspas porque para mim não é mais do que um eufemismo. Se eu tivesse acedido a ir abrir-lhe "a panela de pressão", nada me garantia que dias depois não fosse chamado a abrir-lhe "a pressão da panela" e convenhamos que tudo se iria encaminhar para a abertura da sua própria pressão. O que já seria demais para mim. Tanto que não fui capaz de recusar-lhe auxílio. Afinal de contas tratava-se de um pedido de ajuda e não de um convite ordinário, como era claramente o anterior.

Então, voltei a fazer aquilo que se esperaria de uma pessoa de bem. Pedi-lhe para esperar, fui buscar a carteira do meu amigo que estava a contar com ela, saí novamente do prédio e, com todo o altruísmo que me reconhecem, liguei ao meu colega, o mesmo da outra vez, para ir lá assistir a velha. Não gosto de faltar a ninguém e muito menos àqueles que precisam.

Ele lá foi mas parece que se fartou de tocar à porta sem que ela lha tivesse aberto. Provavelmente, desiludida com a troca, o que se compreende perfeitamente. Só que eu não chego para todas e o mundo terá de aprender a lidar com isso.

Bom, feitas as contas, ela continua aí. E estes dois episódios, apesar de perturbadores não me teriam incomodado assim tanto se, para além do cabelo roxo, a velha não ostentasse com frequência um espectacularmente encardido roupão com padrão de flores. Como aquelas toalhas de plástico para a mesa de cozinha mas para vestir.

Eu sei que ela deve pensar que fica um verdadeiro Hugh Hefner no feminino, isto partindo do princípio que o Hugh Hefner atrai de alguma forma as dezenas de badalhocas que estão sempre à volta dele, mas a única coisa que consegue com aquilo é atrair a mesma quantidade de mosquedo que um javali em Xabregas. Ok, digamos só Xabregas. Já chega para provar o meu ponto de vista.

Mete impressão, disso não há dúvidas.
Não é bonito de se ver, nem de perto nem de longe.
Os encontros entre nós parecem saídos de um filme de David Lynch mas misturados com cenas daquele tipo que aparece na televisão a dizer que sobrevive nos piores sítios e nas piores condições, enquanto come larvas e merda de elefante. Sim, tudo isso é verdade.

Mas AINDA ASSIM nada se compara com o que esta velha apresenta como bandeira, a assinalar a sua janela na fachada do prédio. Uma peça de roupa que ela insiste em pendurar regularmente na corda e que é, só por si, significativa de todo um estilo de vida.

Algo que faria a pêra do Malato assemelhar-se ao decote da Rita Pereira.

Algo que tornaria a sardanisca do inferno numa bandeja de sushi.

Algo que transformaria o Justin Bieber numa mulher a sério.

...

Falo de...

... nada mais nada menos...

... do que umas calças de pijama...

... COMPLETAMENTE CAGADAS!!!

...

Ehpá, completamente.

...

E ali à entrada do prédio para toda a gente esbarrar.
Como se não bastasse TUDO O RESTO, ainda mais isto.

Um exemplo de honestidade, convenhamos. A velha não está ali para enganar ninguém. Com um cartão de visita daqueles só se presta ao serviço quem quer. E depois não diga que ela não avisou. Ao menos neste aspecto, há que enaltecer a senhora.

Bom, eu não só não me presto ao serviço como começo a ter falta de estratégias ninja para me escapar ao confronto. Ainda não experimentei o clássico rotativo na boca "à Van Damme" mas algo me diz que se o tentasse eu me aleijaria bem mais do que ela. Assim, resta-me pegar-lhe fogo às fétidas ceroulas penduradas e esperar que o incêncio consuma o resto do covil.

O problema é que depois o incêndio alastrava-se para o edifício e eu ficava sem escritório para trabalhar...

Mas também quem é que gosta de trabalhar?

Sunday, December 5, 2010

A Sardanisca do Inferno (e outras questões muito relevantes)

Eu espero sinceramente que o mundo não acabe em 2012.

...

Digo isto não porque nutra qualquer apreço pela Humanidade mas porque, depois do período terrível de mudanças e de pré-obras em que me encontro, ver o mundo acabar pouco tempo depois seria uma tremenda desilusão. O mínimo que poderiam fazer quando isto amainasse era garantir paz no mundo, a retoma económica deste país e consequente pontapé no cu ao Sócrates e aos restantes (que só querem é poleiro), um bom poleiro para mim e o título de campeão nacional para o Benfica. Julgo que não é pedir muito depois da trabalheira que isto está a dar.

Esvaziar a casa de Benfica revelou-se um verdadeiro pesadelo.
Primeiro, empacotou-se a titânica quantidade de tralha que só eu e certos roedores da América Central conseguimos acumular. Depois, encheram-se as divisões e o corredor com estas mesmas caixas, criando um elaborado labirinto no qual a minha gata fez questão de desaparecer durante dias a fio. Na dúvida se estaria viva ou morta, dei por mim a atirar punhados de granulado para o monte de caixotins, na esperança que ela desse com o alimento e conseguisse aguentar-se por mais algumas horas. Enfim, um autêntico pardieiro.

É possível que o bovino do vizinho da seita anti-ruído tenha dado forte e feio com a cornamenta na parede, queixando-se das arrumações, mas a verdade é que nem dei por isso. Estava quase literalmente afogado em mobílias desmontadas, caixas empilhadas e muito mas muito cotão.

Entretanto as mudanças fizeram-se... nunca mais volto à casa de Benfica!
Vou até mais longe e digo que a única coisa que me vai fazer regressar àquela zona vai ser o fantástico restaurante de sushi que se houvesse justiça no mundo tinha a minha fotografia em grande na parede. É que nos últimos dois anos e meio sinto que peguei naquilo que era um reles boteco de peixe crú e transformei num dos mais requisitados "spots" no que diz respeito a cozinha japonesa. Aquilo agora está sempre cheio! E a maioria dos clientes fui eu que lá levei. Podia ficar ofendido com a falta de reconhecimento e deixar de lá ir. Mas como sempre fui mais guloso do que orgulhoso, continuo a encher a pança à base de salmãozinho que é uma beleza.

Anyway...

Um dia antes de abandonar definitivamente o santuário silencioso da Rua da Venezuela, guardado pelo cruel minotauro com penteado "à f*****e" que mora na casa ao lado, aconteceu um episódio curioso. Depois de ter estado praticamente um ano sem intercomunicador, coisa que o senhorio fazia gala em não mandar arranjar e que suscitou um espectacular abaixo assinado de todos os meus vizinhos, uma semana antes de me ir embora o bicho estava como novo.

"Está giro." - pensei eu.

Depois de meses e meses a ter de descer as escadas para abrir a porta do prédio às minhas visitas, coisa muito fashion e que se vê muito no estrangeiro nomeadamente no terceiro mundo, depois disso tudo o problema estava agora solucionado.

Na última noite passada no "cenário de guerra", eu e a minha mulher, aproveitando o desaparecimento da comida, dos utensílios de cozinha, dos nossos animais de estimação perdidos entre os escombros, e até da pachorra para cozinhar, decidimos mandar vir uma pizza.

TRRRRRRRRIMMMMMM!!! - ela chegou.

A minha mulher caminhou confiante em direcção ao intercomunicador que já se encontrava operacional.

Sorriso tranquilo no rosto.

Carregou no botão satisfeita de poder gozar o luxo que é não ter de descer em pijama para abrir a porta do prédio ao homem das pizzas. Ao frio.

O botão funcionou e a porta abriu-se.

ZZZZZZAAAAAAAAPPPPPPPPPP (para quem não sabe é o som tradicional do interruptor das portas).

Som esse que devia começar e acabar em poucos segundos não devia?

Pois devia.

Mas este começou e não acabou.

O barulho manteve-se sem parar. E era mais do que óbvio que após um ano com aquilo estragado a família saguim preparava-se para uma última gracinha...

O zunido soava a bom soar, sem interrupção. Talvez o botão estivesse colado...

Desmontei o intercomunicador. Constatei que não percebia nada de electrónica. Voltei a montar o aparelho.

E a barulheira infernal na escada...
A acusar-nos violentamente de termos feito m***a! Mas na realidade tudo o que a minha mulher fez foi carregar num botão. E tudo o que eu fiz foi abrir a boca e esperar que nela viesse aterrar uma fatia de pizza.

Deixámo-nos estar no sossego do nosso lar em pedaços. A saborear a nossa refeição.

Isto enquanto no hall do prédio soava uma chinfrineira equivalente ao recolher obrigatório num Gulag.

A dada altura, ouviu-se barulho lá em baixo. Algumas pancadas. E tudo ficou silencioso.

Convenci-me rapidamente que o vizinho do lado tinha resolvido o problema com os cornos. E, como tal, deixei-me ficar, mais confortável com a minha consciência.

No dia seguinte, em plena lufa-lufa das mudanças, a vizinha da frente cumprimentou-nos, a mim e à minha mulher, com um sorriso. Coisa nunca vista. Para uns, tal gesto poderia significar cortesia mas para mim tudo não passava da vontade cada vez mais consumada de nos ver pelas costas.

"Já viram o que aqui fizeram ontem?", perguntou ela. "Não, não.", respondemos nós. "Alguém carregou no intercomunicador e aquilo ficou a fazer barulho uma data de tempo...", disse ela. "Ah, sim?", perguntámos nós. "Sim.", respondeu ela. "E depois houve alguém que cortou aqui os fios da porta e por isso estamos sem intercomunicador outra vez.", acrescentou ela. "Parece impossível...", dissemos nós. "É um prédio de selvagens, sabe?", criticou ela. "Por isso é que nos vamos embora.", concluímos nós.

No final da conversa, a ex-vizinha ainda disse que tinha pena que saíssemos dali. Que nos achava um casal muito simpático. Observação curiosa, dado que ao longo deste tempo nos fartou de lançar grunhidos e olhares de carneiro mal morto. Mas de qualquer forma soube bem abandonar o prédio com um elogio. Isso e deixá-lo definitivamente entregue aos selvagens.

Vai daí, dois terços das coisas foram para a casa nova que ainda aguarda as obras.
E o terço final veio connosco para uma casa pertencente à minha família, em Paço d'Arcos.

Embora não esteja cá ninguém a morar, a casa mantém-se habitável e pronta para qualquer necessidade. E dado que se não viesse morar agora para aqui ou ficava a dormir em cima de pilhas de ladrilho na nova residência ou montava uma tenda debaixo do viaduto Duarte Pacheco... podemos dizer que é mesmo necessário. Isto embora seja uma solução temporária.

Na primeira noite aqui, e depois da má experiência com as pizzas ainda em Benfica, que para além de terem arruinado com o intercomunicador também arruinaram com o meu sistema digestivo pelos simples facto de "saberem mal como tudo", decidimos fazer hambúrgueres de atum.

Ao verificar que os mesmos estavam a libertar algum fumo, lembrei-me de ligar o extractor que se encontrava por cima do fogão.

RRRRRRRÁ - soou o velho aparelho enquanto cuspia um estranho projéctil contra a minha mão.

...

Pausa para compreender o que se tinha passado.

...

Nova pausa para dirigir o olhar para o tal projéctil arremessado pelo extractor.

...

Tempo agora de gritar como uma menina e sentir-me horrorizado com o sucedido.

...

O que tinha sido arremessado contra a minha mão, era nada mais nada menos do que...

...

...

... O CADÁVER RESSEQUIDO E DISFORME DE UMA SARDANISCA!!!

...

...

Sim, leram bem.

Uma espécie de Tutankamon das osgas que, prevendo o fim cada vez mais próximo, decidiu largar o peido mestre entre as pás do extractor cá de casa.
Após ter-me tocado na mão, repousava a escassos centímetros daquele que iria ser o meu jantar.

Com a ajuda de folhas de papel e à maior distância que o corpo humano consegue funcionar, lá coloquei o "freakshow" no lixo. E escusado será dizer que rezei a todos os santinhos para que a gata não fosse lá buscá-lo e vir colocar-mo de novo no colo. Isso ou aparecer-me durante a noite a roer o repugnante cadáver como se de um pretzel se tratasse.

Enfim, felizmente nenhuma destas visões aterrorizadoras se confirmou. A Sardanisca do Inferno até ver foi exorcizada e não se têm verificado problemas de maior.

Agora, até as obras na casa nova estarem prontas ainda temos muito que penar.
A Benfica desejo um futuro à sua medida, sem rancores, principalmente para aqueles que me chatearam ou me prejudicaram de alguma forma. Sem qualquer tipo de sentimentos negativos ou de prisões com o passado, lhes desejo do fundo do coração que lhes nasça um feto no cimo da cabeça e que não os deixe dormir durante a noite, cantando o repertório completo do Nelson Ned over and over again...

Quanto a Paço d'Arcos, infelizmente vai ter de levar comigo durante uns meses.
O que, sejamos francos, não é assim tão mau quanto isso.

Se formos a ver bem até há coisas piores...

E quase todas elas envolvem cadáveres secos de sardanisca.

Sunday, November 21, 2010

Darwin para Totós

Quem já leu Darwin, quem percebe alguma coisa de Evolução ou lê outra coisa que não seja a Tv Guia sabe que só existem 2 tipos de seres humanos: os Caçadores e os Recolectores.

Ora, eu nunca li Darwin nem percebo mais de Evolução do que o comum dos mortais mas achei que dava mais credibilidade à minha tese se começasse o texto desta forma.
Chamem-lhe má fé, chamem-lhe estupidez, mas de qualquer maneira está na altura de pormos as Tv Guias de lado e reflectirmos um pouco sobre esta ideia.

Caçadores e Recolectores.

Há quem diga que foi assim, no Passado. Tipo, há milhares de anos.
Eu não sou capaz de comprovar porque não era nascido. Mas o Manuel de Oliveira era e foi mais ou menos nessa altura que idealizou o "Aniki Bóbó". Só que a malta na altura era burra e não ia ao cinema.

Bom, falo em caça e em recolecção para definir a relação que as pessoas têm com os seus pertences. Os Caçadores são aqueles que quando querem alguma coisa, falemos apenas de bens essenciais à vida como uma casa para viver ou a última versão do PES para a Playstation 3, lutam, trabalham, suam e sangram para a conseguir. Porém, quando finalmente atingem o seu objectivo, desfrutam do seu pertence e quando acabam pouco se importam com o que lhe acontece. Se se perder, perdeu. Se se estragar, estragou. Se, digamos, uma gata ou uma coelha roer, roeu. E está-se assim muito bem.
Os Recolectores já são diferentes. Para conseguirem cumprir o seus desejos muitas vezes aplicam o mesmo esforço do que os Caçadores mas quando têm nas suas mãos o tão anciado prémio... Guardam-no. Protegem-no. Nunca se livram dele. E, muitas vezes. coleccionam-no.

Eu sou um Recolector.

Já fui mais, há que dizê-lo. Mas é algo que me está na massa do sangue.
A minha tendência é para agrupar objectos semelhantes, assim como fazem certos chimpanzés em laboratórios de pesquisa. Só que a mim deixaram de me dar bananas como recompensa há alguns anos. Ainda assim, achei que estava na altura de homenagear a nobre arte do coleccionismo e escrever sobre as minhas colecções de sempre.

Já não começo nenhuma colecção há muitos anos. Há quem diga que amadureci mas eu acho que é por falta de tempo. Tenho acumulado gordura na pança mas isso dificilmente será uma colecção... Quando muito é um passatempo. Mas uma colecção implica outro tipo de directrizes. Anyway, como não podia deixar de ser, e porque este blogue vive muito de rankings, aqui ficam os Tops das minhas colecções. Dividi a contagem em dois, as normais e as anormais... Porquê? Vocês vão perceber porquê.


TOP 3 DAS COLECÇÕES, DIGAMOS NORMAIS, SE É QUE ALGUMA COLECÇÃO CONSEGUE SÊ-LO, MAS PRONTO ESTAS SERÃO MAIS SOCIALMENTE ACEITES DO QUE AS OUTRAS VÁ, DO VOSSO SEMPRE AMIGO SAGUIM.


1.
SELOS

Até aqui tudo normal, parece-me.

As colecções de selos existem há séculos, muita gente como deve ser as fez e convenhamos que não deixa de ser um investimento. É que isto é coisa para valer algum dinheiro. Não organizada como eu a tenho claro... Desta maneira calculo que não sirva p'ra nada. Tenho vários álbuns, cada um relativo a um continente, onde os selos estão divididos por países e pouco mais do que isso. Estou-me nas tintas para as séries, para os anos e para o raio que parta... aquilo está orientado por temazinhos e já é uma grande coisa!

No início organizava os selos com a ajuda de uma pinça.
Mas era só para fazer vista. Para dar estilo.
Todavia, como invariavelmente esta actividade deprimente decorria na solidão do meu lar, apercebi-me que não estava a impressionar ninguém. E então reformei a pinça.

Lembro-me que o pontapé de saída para ter decidido fazer uma colecção de selos foi ter sabido que o meu avô em tempos também tinha tido uma. Só que teve de vendê-la devido a problemas financeiros. Isto porque a dele, sim, valia alguma coisa. Lembro-me que depois de me ter contado isto lhe perguntei porque não tinha tirado umas fotos dos álbuns para guardar como recordação. Ele olhou para o puto estúpido que lhe tinha feito a pergunta estúpida e limitou-se a encolher os ombros, evitando olhar para a minha cara sorridente que achava ter focado um ponto importante. Enfim...


2.
ÍMANES PARA FRIGORÍFICO / COPINHOS DE SHOT

Dois enormérrimos clichés. E, para mim, dois gigantescos potes de areia movediça...
Quando comecei a viajar pelo mundo fora, visitando paraísos exóticos como Armação de Pêra ou Badajoz, impunha-se o exercer da minha tendência para a recolecção.

E como sou um indivíduo extremamente criativo, sempre em busca de ideias "fora da caixa" (como eu adoro esta expressão), nada melhor do que começar a comprar AQUILO QUE TODA A GENTE COMPRA PARA ASSINALAR A PRESENÇA NUM LOCAL. O problema é que como já viajo há alguns anos e comecei a fazer aquilo logo na primeira viagem, agora não consigo parar. Penso que, de alguma forma, estou a faltar ao respeito ao pequeno Saguim que comprou o primeiro íman ou o primeiro copo... E se eu não gosto de faltar ao respeito a ninguém, muito menos a mim próprio!

O que é que eu faço com estas lindíssimas peças de decoração?
Os ímanes, pasmem-se, estão na porta do frigorífico. Se dúvidas houvessem que sou bimbo, basta darem um salto aqui à cozinha do menino. Os copinhos de shot que NUNCA foram, são ou serão usados, estão num armário a apanhar pó.

Agradeço a Deus que a minha mulher ainda não se lembrou de implicar com isto.
Porque se algum dia o fizer vou ter de pô-la na rua.

É que mulher tenho uma, ímanes e copinhos tenho muitos. Em termos de colecção, a segunda ganha em quantidade.


3.
CROMOS

Estes felizmente já não colecciono. É que, verdade seja dita, aquilo dava uma trabalheira dos diabos. Era o ritual de comprar carteirinhas nos quiosques, cujos donos esfregavam as mãos de contentes quando me viam aproximar arrastando um adulto cabisbaixo pela mão. É preciso dizer que, à minha conta houve muito antigo proprietário de quiosque que se deu bem na vida. O Belmiro de Azevedo, por exemplo, tinha o dele junto à Tarantela no largo da Estefânia. E hoje nem uma lembrança no Natal nem nada. Enfim, feitios.

Depois da compra das carteirinhas seguia-se o abrir das mesmas e a felicidade incontrolável quando se encontrava um ou dois que não se tinha. Os outros engrossavam o molho dos repetidos que se prendiam com um elástico. Depois ainda implicava arte e engenho na altura de colar aquilo dentro dos limites da moldura respectiva, no álbum. Apesar de fazer muita coisa mal na altura (hoje já não faço nada mal como é evidente) era um verdadeiro mestre na colagem perfeita e sem mácula de cromos em cadernetas. Agora, o que é que isso me rendeu na vida? Pouco.

Talvez por isso, porque não é por saber colar bem crominhos num quadrado que mais depressa arranjo emprego, que me deixei de coleccionar cromos. Claro que isso não invalida que tenha aqui duas ou três Simaras de cadernetas (num mundo ideal, "Simara" seria uma unidade de medida de peso) a fazer as delícias dos bichos do papel. Mas como temos de ser uns p'rós outros...


Bom, adiante...


TOP 3 DAS COLECÇÕES, COMPLETAMENTE ANORMAIS, BIZARRAS, ESTAPAFÚRDIAS E TUDO MAIS DE ESTRANHO E LYNCHEANO QUE LHE QUEIRAM CHAMAR, DO VOSSO SEMPRE AMIGO SAGUIM.


1.
POSTAIS ILUSTRADOS

Além de todos os adjectivos acima descritos, esta colecção introduz-nos também o campo do incrivelmente DEPRIMENTE.

Postais ilustrados.

Em que é que eu estava a pensar quando decidi juntar umas micas numa pastinha e guardar tudo o que se enquadrava neste universo? A menos que estivesse nesse preciso momento a ser operado ao cérebro, com uma serra a separar-me os hemisférios, julgo que não tenho desculpa alguma.

Sim, eles ainda aqui estão. Na pastinha.
Coisas tão díspares como aqueles postais com bonecos horrivelmente ordinários que se vendem no Algarve, o sempre terno Topo Gigio ou uma ilustrações foleiras de, por exemplo, o "Outono".

Nunca mostrei isto a ninguém. Ao menos aí tive juízo.
Não que a colecção seja repulsiva de alguma forma mas é mesmo MESMO muito nonsense. Não é fácil explicar às pessoas que aquele que se lembrou de iniciar tal colecção, ou seja eu em puto, não era também possuidor do QI de um rato morto. É uma cantiga difícil de engolir.


2.
PORTA-CHAVES

Apercebo-me que praticamente TODAS estas colecções foram iniciadas em criança e que eu hoje sou apenas a vítima de um horrível legado pelo meu "eu" passado... Fui claro? Basicamente gostava de voltar atrás no tempo, mandar um banano em mim próprio e berrar-me ao ouvido "PÁRA DE ACUMULAR M***A, PÁ!!!" Talvez tivesse resultado. Mas cheira-me que nunca vou ter a certeza.

Bom, os porta-chaves. Um flagelo da minha vida actual.
Quando era miúdo vi uma fantástica reportagem do Canal 1 (como lhe chamavam na altura) sobre uma tasca que tinha o tecto coberto de camarões (os parafusos, não o marisco) que penduravam uma épica colecção de porta-chaves. De todas as formas e feitios. E como os clientes da Casa de Pasto já sabiam que o dono tinha esta, digamos, deficiência, traziam-lhe sempre novos cada vez que lá iam comer. E o dono punha mais camarões e pendurava mais porta-chaves no tecto. E toda a gente achava graça. Apesar de estarem a almoçar na iminência de lhes cair um sapo Cocas no guisado.

Aquilo que hoje me repugna antes maravilhava. Achei muito boa ideia. E imaginei que seria muito lindo ter um dia o tecto da minha casa coberto de camarões e uma colecção de porta-chaves ainda maior do que aquela.

Camaradas, só para vos dar um lamiré... Vamos admitir que eu não tinha mudado nada e continuava a pensar da mesma forma. O dia em que eu abordasse esse assunto junto da minha mulher era o dia em que passaria a ser conhecido como "o Eunuco de Benfica"... E mais não digo.

Feitas as contas, tenho duas enormes caixas cheias de porta-chaves até acima e não sei o que fazer com elas. Cómico é o facto de que sempre que preciso de um porta-chaves vou comprar. Podia tirar um qualquer da caixa mas aqueles pertencem à colecção. Colecção essa que eu já não quero mas que também não vou deitar fora... Até porque muitos dos itens me foram oferecidos e vieram de outros pontos do globo terrestre. Dilema, dilema, dilema...

Há uns anos atrás apercebi-me finalmente daquele que seria um destino digno para esta colecção: a doação a um qualquer Museu do porta-chaves. Em troca de uma ala com o meu nome, claro.

Só que não há nenhum.
Parece que o Estado acha que porta-chaves e cultura não estão bem no mesmo patamar.
É por isso que o Estado é estúpido. Por isso e por mais nada.


E chegámos então àquela que é a "pièce de résistance" desta conversa toda. A colecção mais bizarra de todos os tempos, fora da prisão ou do hospital psiquiátrico.

Pede-se às pessoas mais sensíveis que fechem esta janela e abram outra com o Noddy, por exemplo. Pede-se aos bravos que decidirem ficar para desligarem o som dos telemóveis e afastarem-se de objectos cortantes. Obrigado.

Então cá vamos a isto.

3.
É MELHOR NEM PÔR TÍTULO

Quando era miúdo (outra vez!!!) passava muito tempo sozinho em casa dos meus avós. Os meus avós tinham e têm, felizmente, um terraço no último andar de um prédio. Eu passava muito tempo nesse terraço a falar sozinho e a olhar para as moscas.

As moscas pousavam no muro do terraço, a apanhar sol. Eu olhava para elas e achava que a nossa convivência podia ser levada para um outro nível. Algo mais íntimo.

Daí, comecei a olhá-las com um frasco de vidro na mão. A conceber todo um plano maquiavélico. Elas é que esfregavam as patinhas ao sol mas eu é que estava a congeminar algo terrível. Elas não faziam ideia. Eu sorria, com o frasco na mão.

Após várias tentativas capturei uma, colocando o recipiente de cabeça para baixo. Arrastei-o sem o afastar da base até ao limite do muro e coloquei a mão debaixo, a tapar.

Fui buscar álcool etílico.
Às escondidas porque, vá-se lá saber porquê, a minha avó gostava pouco que eu brincasse com álcool, ou com fósforos, ou menos ainda com as duas coisas ao mesmo tempo. Mas logo por azar era com isso que eu mais gostava de me entreter...

Coloquei um pouco de álcool no frasco. Deitei-lhe fogo. Labareda súbita. Mosca carbonizada no fundo do frasco.

Depois retirei a mosca e com o auxílio de uma velha faca, cortei-lhe a cabeça e coloquei-a num pratinho de esmalte que os meus avós tinham. Achei tanta graça à ideia que comecei a fazer disso o meu hobby de fim de tarde. E a dada altura a minha colecção de "cabecinhas de mosca num prato de esmalte" fazia já inveja a muito bom assassino em série!

...

(pausa para aplausos)

...

(outra pausa para constatar que não houveram aplausos)

...

Tenho a recordar que aquilo que hoje se acha horrendo na altura era uma forma de passar o tempo como outra qualquer. É importante não esquecer que só haviam dois canais de televisão e o Eládio Clímaco aparecia mais do que seria desejável.

Bom, mas a verdade é que eu próprio acho que aquilo não era coisa que se fizesse. Não sei onde foi parar essa minha colecção mas desconfio que a minha avó a tenha confundido com insectos mortos e a tenha deitado para o lixo. Onde pertencia, convenhamos.

De qualquer forma, e dentro desta minha veia de recolector é a única colecção verdadeiramente original. Aquela que não deve haver muito mais gente no mundo a ter uma igual. Eu pelo menos assim o espero.

Para terminar, Caçador ou Recolector? Qual o melhor, afinal?

Parece-me que acaba por ser o Caçador.
Mais limpinho, mais organizado, mais apelativo para as gajas e, acima de tudo...

... com menos cheiro a mosca morta impregnado na roupa.

Saturday, November 13, 2010

Do not cross

Já não é segredo para ninguém que a minha saída de Benfica está para muito breve.
Não é segredo porque eu mesmo o anunciei neste blogue há umas semanas, apesar de ninguém me ter perguntado nada.

Digamos que não sou muito bom a guardar segredos...

Basicamente tenho até ao final do mês para abandonar esta casa.
O meu lar doce lar durante os últimos dois anos e meio.
Casa essa que se pusermos de lado o chifrudo do vizinho anti-ruído, o escape negro do autocarro que pára à porta, os gritos dos transeuntes drogados e marginais de madrugada, o indivíduo meio monhé que está 24 horas por dia, 7 dias por semana, 12 meses por ano, sentado na esplanada da rua a beber imperiais umas atrás das outras sem ficar bêbado e a conversar com os velhotes, o ordinário que me riscou o carro, o outro ordinário que um dia me colocou um bilhetinho no limpa pára-brisas a chamar-me "anormal", os vizinhos mal-encarados, o indivíduo que vem receber a renda todos os dias 7, estilo medieval, porque, ainda não percebi porquê, não se pode pagar via multibanco, o violador de Telheiras que aterrorizou as redondezas, o mijo que muitas vezes aparece no hall de entrada do prédio e cujo mijão se nega a limpá-lo e o intercomunicador que o senhorio se orgulha em pura e simplesmente não mandar arranjar... se pusermos de lado tudo isso, esta casa nem nos acolheu muito mal.

A verdade é que aquela para onde vamos fica bem longe daqui e precisa de umas obras antes da mudança. Nada de fundo, não comprei nenhuma barraca, embora tenha visto algumas bem jeitosas e em conta, mas é coisa para durar uns dois mesinhos. Por causa disso, os últimos tempos não têm sido nada fáceis porque pensar em tudo o que queremos fazer e ainda tratar de mil e uma burocracias e chatices acaba por ser quase outro trabalho a tempo inteiro. E se já me chateia ter um, então dois é mesmo coisa para dar cabo dos nervos.

O problema é que quando não sobra tempo para mais nada, há uma série de outras coisas extra-emprego que ficam ou em stand-by ou quase completamente esquecidas. Falo de algo tão essencialmente simples como a limpeza da casa onde ainda estou. Ou da ausência dela.

Por um lado, sejamos sinceros, a permanência aqui neste momento provoca-me muito nojo.
Por outro, custa-me estar a gastar energia e recursos na higiene de um local que muito brevemente vai deixar de me albergar. Estão a ver o dilema?

Como sou preguiçoso acabo por me concentrar mais no segundo ponto. Aquele que diz: "What's the point...", afasta o lixo e se deita em posição fetal para acordar no dia seguinte de manhã. Sou preguiçoso para me mexer e fazer limpezas e, mais do que isso, sou preguiçoso para berrar à minha mulher que tem duas horas para pôr isto num brinquinho. Bom, aí sou até mais medroso porque penso que não me safava de levar uma patada nos dentes. Portanto, deixo-me estar.

Neste momento, é possível encontrar por aqui coisas curiosas e dignas da atenção da ciência.
As bolas de cotão atingem dimensões impressionantes e é comum vê-las a voar no corredor como se estivesse no Velho Oeste. Faz um bonito efeito. Fica só a faltar o Clint Eastwood mas não há meio do homem vir a Benfica. Coisa que eu até compreendo, dada a falta de fascínio e/ou interesse desta zona, mas a vir juntava-se o útil ao agradável e às tantas até me dava uma mãozinha e aspirava uma divisão ou outra. Assim de repente, parece-me pouco provável que um dia o Clint Eastwood me venha aspirar a casa por isso prefiro não contar com isso.

Sigamos em frente...

Esta casa produz bolas de cotão como a China produz leite em pó à base de veneno... É às pazadas. O que até se percebe dado que cá vivem 3 criaturas cuja principal função é gerar pêlo dia e noite. Falo da coelha, da gata e, como é evidente, da minha "mais que tudo". Eu sou apenas uma infeliz vítima desta situação horrível dado que pouco pêlo possuo já na zona da cabeça, e o pouco que tenho é regularmente rapado. Já sugeri o mesmo "hairstyle" às referidas 3 criaturas mas a sugestão foi recebida com pouco entusiasmo. Resultado disso é a continuidade das tais bolas de cotão.

Mas agora são tantas e tão grandes que a gata volta e meia olha para mim com os olhos arregalados como quem diz: "Ehpá, já limpavas isto ó porco da m***a! Tenho conhecidos que vivem às espinhas na rua e nem eles se sujeitavam a este pardieiro." Vai daí, dou-lhe um biscoito e compro-lhe o silêncio por mais algumas horas. Ah! E volta e meia também é costume ouvi-la espirrar muito atrapalhada quando decide engolir um pedaço de cotão. Sempre uma graça. Eu sorrio perante a sua estupidez, dou-lhe uma festa na cabeça e fico a desejar que tão cedo uma não se cruze no seu caminho. Por agora, é tudo o que consigo fazer.

Mas se o cotão é realmente um enorme flagelo, o que dizer das descobertas revolucionárias que se vão passando na cozinha? Sim, é verdade, coisas do arco da velha. Já alguma vez tiveram uma abóbora podre no caixote do lixo durante dias? Não é tão espectacular como dizem. Na verdade, é tão nojento que se torna quase ofensivo. Eu levei a reacção da abóbora perante o tempo e a exposição ao ar como um insulto pessoal.

Primeiro a velhaca decidiu dizer-me que não estava em condições de ser consumida através do seu aspecto. Tinha ar de estar estragada e assim sendo foi devidamente colocada no caixote. O problema é que, dada a tal falta de tempo, esse saco acabou por permanecer no lixo durante alguns dias. O suficiente para a porra da abóbora me encher o caixote de uma espécie de água infernal emanadora de cheiro nauseabundo. Uma cortesia desta besta.

Eu nunca fui grande fã de abóboras e de um certo ponto de vista alguma razão deve ter a malta que lhes desenha caras feias e as exibe no Dia das Bruxas. Mas daí ao ódio que senti naquele dia vai uma boa diferença... E tão cedo parece-me que não ponho nenhuma na sopa!

Na cozinha sucedeu ainda outro fenómeno natural digno de nota. Depois de uma refeição de favas com chouriço e de colocado o excedente num tupperware, o meu genial cérebro sugeriu-me que colocasse o recipiente dentro do forno por estar ainda quente, a fazer horas para ir para o frigorífico. Dentro do forno, porque em cima da bancada está fora de questão. A menos que queira proporcionar à gata o banquete do ano, o que muito sinceramente não me seduz por aí além. Coloquei então o tupperware dentro do forno e o mesmo só foi reencontrado alguns dias mais tarde.

O cheiro era deveras incomodativo, verdade.
Impregnava a cozinha como o cadáver de uma doninha, verdade.
Mas o novo aspecto peludo e fofinho atribuía à velha refeição uma faceta carinhosa. Muito terna. Como um peluche mas para comer...

Enfim, digno de estudo digo-vos eu. Mas como também não tenho tempo para isso deixei a biodiversidade em "águas de bacalhau".

De qualquer maneira, há mais a dizer acerca deste upgrade de pocilga ao qual ainda chamo casa. A casa de banho, por exemplo, nem está muito mal.

Para uma casa de banho pública.

Se considerarmos os critérios dos sanitários dos centros de dia ou das estações de comboios, esta até dá gosto.

Ou então não e é repugnante como as outras... Mas não vou entrar em pormenores para não chocar ninguém e não provocar aquele movimento do esófago que "diz que vomita e depois não vomita". Enfim, isto por aqui está agreste.

O volume de roupa suja excede agora em muito o volume de roupa limpa. Não há tempo para meter na máquina e, além do mais, tem estado de chuva. Portanto, tenho agora um cesto a transbordar e ainda um saco cheio em cima, a fazer peso para que a tampa feche minimamente, que não me deixa mentir. E escusado será dizer que estes dois elementos acentuam ainda mais o clima de "barracaria" que domina este domicílio. É de fugir.

Aliás, hoje calcei o último par de peúgas da gaveta. Umas brancas da nike, para jogar à bola. Em situações normais não as usaria hoje mas não me restou outra opção. As cuecas também estão a acabar-se e se não tratar da roupa o quanto antes parece-me que vou ter de optar por um estilo de vida mais "à larga". Espero do fundo do coração que não chegue a tanto.

Feito um balanço final, aquilo que me dá algum alento é que TODA esta situação não é senão temporária. Daqui a pouco tempo já estarei numa casa mais bonita, com mais luz, mais arrumos, mais espaço... e mais área para distribuir a porcaria que mais tarde ou mais cedo se gera! Dar-me-á muita alegria.

E mesmo que tenha de lidar com isto por agora, convém manter o bom humor.

Sorrir sempre.

Não desesperar com a falta de tempo.

Ser optimista e, sobretudo...

... comprar mais biscoitos para gato.

Sunday, October 31, 2010

Sóbrio mas Feliz

Olá, eu sou o Saguim e gosto muito de vinho tinto... (digo eu)

Olá Saguim. (respondem vocês)

Gosto tanto do rubro néctar que há uns tempos atrás a minha doce mulher lembrou-se de me oferecer um daqueles packs da Smartbox, dedicado a workshops, de modo a que pudesse aumentar os meus conhecimentos acerca do mesmo. Conhecimentos esses que neste momento estão muito perto do nulo.

Sei dizer se o vinho me sabe bem ou se me sabe menos bem. Mal, raramente sabe. Mas gostaria de deixar de fazer aquele teatro ridículo sempre que o empregado de mesa mo dá a provar num restaurante...

Normalmente faço o seguinte:

Ergo bem alto o copo no ar. Observo o líquido. É vermelho. Confere.

Bamboleio a vinhaça no copo não sei bem para quê. Dou-lhe uma cheiradela. Cheira a vinho. Confere.

Bebo um golo. Semicerro os olhos para parecer que estou a saborear os taninos ou lá o que é. Em vez disso, constato que sabe a vinho. Portanto, confere.

Faço que sim com a cabeça, com ar de entendido, e vejo o empregado servir-me a mim e à pessoa que me acompanha. Isto enquanto provavelmente o indivíduo se regozija por me ter servido a garrafa que esteve na montra durante o último mês, a apanhar sol.

Bom, vai daí, e em grande parte para evitar estas minhas figuras de palhaço, a minha mulher lembrou-se de me oferecer um pequeno curso de nome "Para quem não percebe nada de vinhos mas gostava de perceber". Nada mais adequado...

O local? Um pequeno restaurante vegetariano e, ao que parece, centro de cursos e oficinas, chamado "Bem-me-quer".

Vamos lá embora, então.

Quando alguém nos oferece um pack da Smartbox, da "Vida é Bela", ou de uma das outras 50.000 empresas que agora proporcionam uma vasta oferta de experiências, ficamos contentes quando recebemos a prenda mas depois deixamo-la "a pastar" numa gaveta até começarmos a ficar com medo que perca a validade. Comigo, foi exactamente isso que aconteceu. Apesar de gostar muitíssimo de vinho, não ao ponto de não conseguir manter um emprego ou um plano de higiene pessoal mas o suficiente para um dia ter pedido num bar "Uma caipirinha, por amor de Deus" em vez do normal "se faz favor", deixei que o pack marinasse em casa até muito recentemente.

Não que não tenha ligado há tempos a tentar reservar o curso. Liguei duas vezes. A primeira delas, os tipos estavam a preparar-se para entrar de férias. Portanto, mau timming. Já na segunda, o formador estava numa vinha e só voltaria na semana seguinte. Pensei logo: o formador está numa vinha? Ou é enólogo ou apanha uvas para ganhar uns trocos... Seja como for, deve perceber do assunto.

Só na última semana consegui finalmente marcar o tal workshop. E que contente que eu fiquei... Todos os dias antecipava o momento na minha cabeça. E, não sei bem porquê, sempre que o fazia imaginava um patusco encontro de bebedeira entre desconhecidos, brindes sucessivos, sonoras gargalhadas e muito "Se o Saguim quer ser cá da malta..." Mais prático que teórico, no fundo. Mas depois também pensava: se assim fosse haveria muito bêbado a querer reservar cursos destes porque parecendo que não acabam por pagar menos do que se fossem para a tasca beber penaltis uns a seguir aos outros... Vai daí, imaginei que às tantas o curso deveria ser menos orgia romana e mais coisa séria.

Marquei então para 29 de Outubro, última sexta, às 19h. E o que aconteceu foi mais ou menos isto...

A HORA DO SAGUIM APRESENTA:

O RELATO EBRIAMENTE CHOCANTE DO WORKSHOP "PARA QUEM NÃO PERCEBE NADA DE VINHOS MAS GOSTAVA DE PERCEBER", FREQUENTADO PELO SAGUIM NUM ESPAÇO DE NOME BASTANTE RABICHO, CHAMADO "BEM-ME-QUER"


18h20

Hoje é um grande dia! Finalmente vou fazer o meu workshop de vinhos. Até que enfim... Fartei-me de adiar e agora sim, vai acontecer. É por isso que o dia de hoje vai ficar para a História. Por isso e porque há horas atrás fui comprar uma casa... Isso também é capaz de importar: a escritura do lar onde se calhar vou viver para sempre. Nada que se compare ao vinho mas ainda assim digno de nota. Já não falta muito! Daqui a bocado é que vai ser!!!


18h30

Vim do banco e da escritura directamente para casa dos meus pais que fica mais próxima do tal sítio. "Bem-me-quer"... Não conheço. Mas também não importa. Desde que haja vinhaça, o nome até podia ser mais gay. Fecho o portátil, dou o dia de trabalho por encerrado, e preparo-me para descer a rua. Que excitação! Finalmente vou ficar um entendido na matéria e começar a mandar vinhos para trás por "não estarem em condições". AHAHAHAH... O PODER!!!


18h45

Chego à "Bem-me-quer". O restaurante está fechado. Isso e tem as luzes apagadas. Tudo bem, o workshop não há-de ser no espaço do restaurante e ainda não são 19h. Pergunto a uma senhora moradora no prédio onde ficam os escritórios em que acontecem os cursos. Ela diz-me que é ali no rés-do-chão. Eu agradeço, sempre bem educado, ansioso por beber uns canecos e perder a educação toda... Eheheheh cá estou eu. Toco à porta. Espero um bocado. Ehehehehe 'Tá quase! 'Tá quase! Ninguém abre. Ok, ainda não são 19h. Eu espero.


18h55

Já só faltam cinco minutos para as 19h e ainda não há sinais de vida dentro do estranho local. Já toquei e toquei e nem um som. O vizinho da frente, depois de certificar-se que eu não era "drógado", disse que "a senhora" tinha saído e já voltava. Não percebo exactamente o que quer ele dizer com "a senhora". Não sei se é relativo a religião ou a putedo... Mas pelo aspecto da escada do prédio inclino-me mais para a segunda hipótese. De qualquer maneira, deixo-me ficar na escada à espera. Em pulgas para afogar o meu stress num belo alentejano. Vinho, diga-se. Não num indivíduo.


18h58

Sai uma mulher do escritório. Apercebo-me rapidamente que não é "a senhora". Vem sozinha e com um sorriso parvo. Eu pergunto-lhe se é ali que dão workshops de vinhos e ela diz-me que sim. Diz que é professora de yoga e que não me abriu a porta porque não é dona daquilo. É professora mas não vem com aluno nenhum... Eu acho estranho mas agradeço e continuo à espera. Antes de se ir embora ela diz-me que "a senhora" deve estar a chegar. Eu sento-me na escada com atenção ao interruptor que volta e meia desliga-se e deixa-me às escuras.


19h00

Vou sonhando com o glamour do vinho tinto e da piela que tenciono apanhar quando chega um tipo brasileiro. Vai ser colega de formação. Ele pergunta-me se é ali a "Bem-me-quer". Eu digo que não sei mas que deve ser. Digo que "a senhora" deve estar a chegar. Vejo pela cara dele que não sabe quem é "a senhora". Mas tal como no vinho que me dão a provar no restaurante, faço o ar entendido de quem sabe e evito qualquer pergunta que ele me tenha a fazer. Fico sentado na escada enquanto ele se encosta à parede a mexer no telemóvel. Fazemos um bonito duo. A porta ao nosso lado fechada. E o workshop que devia estar a começar...


19h15

'Tá giro... Passaram-se quinze minutos e nem "senhora", nem fulano que andava nas vinhas ainda há duas semanas nem outros formandos nada. A porta continua fechada, lá em baixo o restaurante às escuras, eu sentado na escada e o brasileiro encostado à parede a mexer no telemóvel. E assim se vai passando o serão. A luz da escada apaga-se. E perante a inércia do "colega" sou eu que me levanto para a reacender. Começa a cheirar-me a esturro...


19h20

Curioso... Vinte minutos de atraso. Também não vale a pena ficar já irado. Pode ter acontecido algum acidente. Quando reservei pelo telefone pediram-me os meus contactos por isso estou certo que se pudessem ter previsto isto já me tinham ligado. É isso, de certeza que tarda nada vai entrar por aí adentro "a senhora" espavorida porque foi atropelada por uma carrinha de caixa aberta, fractura exposta em ambas as pernas, mas decidida a abrir-nos a porta e a proporcionar-nos o nosso workshop. O brasileiro continua a mexer no telemóvel sem levantar os olhos. Eu, volta e meia, bufo para ver se manifesto a minha impaciência e se troco meia dúzia de palavras com ele. Porém, sem sucesso. A luz da escada apaga-se. Quem se levanta sou eu.


19h30

Querem ver que não vai haver curso p'ra ninguém?! Mesmo que "a senhora" apareça aí com um Ford Fiesta emplastrado na nuca, não há sinal do tipo das vinhas... Se calhar ficou por lá. Deve estar neste momento a dormir de barriga para baixo no meio das videiras, com as calças pelos tornozelos e a tentar não se afogar no próprio mijo. Bêbado! A dada altura digo ao brasileiro que estou a perder a paciência e que vou telefonar para os números de telefone que estão no livro da Smartbox. Ele não me liga nenhuma e continua a mexer no telemóvel, encostado à parede. Encontro dois números: um fixo e um móvel. O fixo ninguém atende. Surpresa chocante. O móvel não está atribuído. Mau... Apaga-se a luz. PORRA QUE JÁ É DEMAIS!!!


19h35

QUE SORTE A MINHA!!! MALDIÇÃO! QUE CAIA JÁ UM METEORITO DAQUELES F****OS, QUE DERAM CABO DOS DINOSSAUROS, EM CIMA DESTA ESPELUNCA!!! Nem sinal da "senhora", nem do bêbado, nem da professora de yoga (que às tantas era mesmo "a senhora" e se baldou de maneira airosa) nem de ninguém. Estou p'raqui enfiado numa 6ª feira à noite, lado-a-lado com um indivíduo que é brasileiro, na escada de um prédio antigo que volta e meia fica às escuras E CONTINUO A NÃO PERCEBER GRANDE COISA DE VINHOS! Os moradores do prédio entram, uns após os outros, em direcção às suas casas. Nenhum deles é "a senhora" que neste momento, a chegar, não se safa de ouvir uns insultos dirigidos a ela e à família. Em vez disso, vão chegando os vizinhos, cada um mais feio que o outro. Faz-me lembrar o meu prédio em Benfica.


19h45

Vou-me embora. Despeço-me do brasileiro e atiro para o ar o clássico "Isto é uma vergonha..." Ele aproveita e vai-se embora também, lixado com a "sacanagem". Chego a casa tão sóbrio quanto saí e, há que dizer, bastante desiludido com isso.


Portanto, foi assim o meu workshop de vinhos.

Escusado será dizer que depois do feriado pingarão duas queixazinhas no atendimento ao cliente da Smartbox: uma em português do Brasil e outra em português de Portugal. E se me dá p'raí ainda pingarão mais em inglês, francês, espanhol ou madeirense. Não que saiba falar estas línguas mas sei quem sabe e decerto me farão o favor.

Estou também muito determinado a ligar para a "Bem-me-quer" e dar uma palavrinha à "senhora". Mostrar educadamente a minha indignação. E, se vier a propósito, mandá-la p'ró c*****o.

Agora, enquanto a minha mulher se ocupa com frivolidades como as obras na casa nova, as mudanças e tudo o que há a comprar, eu estudo formas criativas de me vingar desta gente. Disso e de tornar mais credível o meu teatro quando provo vinhos em restaurantes.

Penso que o segredo está no estalo da língua, após o gole...

Saturday, October 23, 2010

Confissões de uma Mente Perturbada

Aviso já às pessoas mais impressionáveis, ou então àquelas que se preocupam mais comigo, que o título deste post não indica que enlouqueci ou que esteja com problemas psicológicos. Muito longe disso.

Maluco já eu sou há muito tempo.

Portanto, nada de novo.

Para mim, a grande diferença entre a malta que é, digamos, insana e o resto do pessoal é que os primeiros têm uma percepção bastante distorcida da realidade. Ou então são os segundos que a têm e os malucos é que estão correctos. Bom, é uma das duas. Importante é reter que os dois grupos de pessoas geralmente não estão em sintonia. Por isso é que uns vão para quartos almofadados, vestidos com coletes de força e sem televisão, e outros ficam cá fora, com cacetetes em punho, a vigiá-los.

Há ainda um terceiro grupo que também dorme em quartinhos almofadados mas esses não são malucos. São maricas. E esses já têm televisão.

Mas não deixemos que estas divagações nos desviem do tema essencial da postagem. Está na hora de dar voz às construções mais primitivas da minha consciência, um princípio tão imensamente irracional que nem com meses de terapia, hipnose ou mesmo porrada nos cornos, eu conseguiria controlar.

Falo dos meus sonhos.

Penso que neste altura da minha vida já consigo delinear um Top 3 dos meus sonhos mais imbecis. Toda a gente devia ter um. Mas espero para o seu bem que sejam um pouco mais normais do que os meus.

Bom, vamos então à partilha?

...

Não?

...

Estão ocupados, é?

...

A ver a Casa dos Segredos?

...

Não vos censuro.

...

Mas atenção que neste blogue o que se poupa em mularia ganha-se em parvoíce.

...

Já estamos a reconsiderar, hem?!

...

Sendo assim, aqui vai:


TOP 3 dos sonhos mais brutalmente insanos, alarves, preocupantes e ofensivos do Saguim


3ª posição

Já falei aqui sobre ele no Passado. Mas como entretanto a minha lista de leitores deste blogue já conta com um número um pouco maior do que 2 (eu e um psiquiatra anónimo, na altura), penso que vem a propósito recontá-lo.

Sonhei que tinha uma filha. Até aqui tudo bem. Já tive este sonho há uns aninhos, se calhar era demasiado novo para pensar nisso, mas lembro-me que tratava a minha filha com respeito e ternura. Mais do que isso, exibia-a com orgulho.

Tudo normal, não fosse a minha filha...

...

... UM CUBINHO DE CARNE DE PORCO À ALENTEJANA.

...

Andava com ela na mão, cantarolando pelo meio da rua, mostrando-a às pessoas. Estas, indiferentes ao facto da minha filha ser na realidade um pedaço da nossa gastronomia, cumprimentavam-na com o deleite normalmente dedicado às crianças. E eu sorria, embevecido.

Dada a ausência de mulher, talvez fosse normal assumir que eu era um pai solteiro. Mas tudo isso são "peanuts" quando a nossa descendência é carne de porco.

Lembro-me que apesar deste cenário horrendo ser, no sonho, considerado a coisa mais normal do mundo, eu tinha de estar constantemente a recordar-me que não podia levar a minha filha à boca e mastigá-la. Era um cubo de carne deveras suculento e se há coisa que o meu subconsciente não colocou de parte foi o meu apetite voraz e, digamos até, lambão.

Portanto, passeata sim senhor. Mostrar a filhinha aos transeuntes, muito bem. Mas sempre com ela fisgada para não cometer infanticídio.

Coisa que, inevitavelmente, acabou por acontecer. Distraído com alguma coisa fascinante daquelas que só acontecem nos sonhos, como a Luciana Abreu a fazer uma conta de somar por exemplo, acabei por trincar a minha filha várias vezes até me aperceber do horrível acto que estava nesse mesmo momento a cometer.

Cuspi-a para mão em desespero. Olhei para ela, mutilada que estava e envolta em baba, e berrei "NÃAAAAAAAAAOOOO!!!"

Depois, segui o meu caminho sem ter bem a certeza se estava viva ou morta. E foi mais ou menos nessa altura que devo ter acordado.


2ª posição

O segundo sonho já é mais recente e menos alusivo à culinária. Mas notem que também é estúpido!

Passava-se no meu anterior local de trabalho: uma agência de design e comunicação em Lisboa. Estava eu em plena actividade laboral, trabalhando em conjunto com um colega, quando se aproxima o meu director criativo. Aproxima-se e começa imediatamente a berrar comigo, diga-se.

O engraçado é que, em vez de estar a fazer um anúncio de imprensa, um flyer ou um outdoor, eu e o meu colega tínhamos como projecto criativo orientar o Benfica no Championship Manager, conhecido jogo de estratégia futebolística para PC. Portanto, até aí tudo ok.

Lembro-me que o meu director criativo berrava irado pela minha fraca prestação enquanto eu berrava de volta explicando-lhe que no final da primeira volta o Benfica encontrava-se a apenas um ponto do primeiro classificado e que ainda se mantinha tanto na Taça de Portugal como na Liga Europa. Ainda por cima, era nosso o melhor marcador do campeonato. Por estas e por outras, parecia-me claramente que o homem estava a aparvalhar sem olhar aos resultados.

No entanto, berrávamos incessantemente um com o outro, de olhos esbugalhados, trocando acusações de forma arbitrária.

Ora, tudo isto seria normal se o meu director criativo não tivesse por detrás dele, e durante o tempo todo da discussão, um anão de cabelo à tigela que me atirava constantemente bananas e carrinhos de brincar.

Para quem acha que tem um bug no computador e que um qualquer vírus lhe colocou palavras estapafúrdias nas últimas frases eu não me importo de repetir...

UM ANÃO...

... COM CABELO À TIGELA...

... QUE ME ATIRAVA CONSTANTEMENTE BANANAS E CARRINHOS DE BRINCAR.

...

Isto enquanto o meu director criativo gritava comigo porque achava que a minha prestação como treinador virtual do Benfica não era certamente a melhor.

Estão a ver a bizarria da situação...

Ora, eu não tenho nada contra os anões. Confesso que detesto couves de bruxelas, que sabem mal com'ó raio, mas a minha aversão às miniaturas fica por aí. Mesmo assim, fui sonhar com este detestável nanico que não me deixava concentrar nos insultos a dirigir àquele que se auto-intitulava "o meu tutor". Coisa deveras irritante.

Além disso, bananas e carrinhos de brincar? Porquê?!!! Qual a relação entre as duas coisas? É que um carrinho de brincar até percebo. Aquilo atirado com força e com jeitinho vai-se a ver e ainda vaza uma vista... agora as bananas é que me transcendem completamente. Assim como a porra do cabelo à tijela, uma das piores ideias ao nível da estética capilar de sempre e enorme trauma de infância. Sim, também o usei em tempos. Mas anão felizmente nunca fui.

Bom, depois de muito comer com carrinhos e "bananedo" na tromba, as coisas serenaram. O meu chefe estendeu-me a mão, fez as pazes comigo, e, educadamente, mandou-me pr'a rua. E eu fui, feliz da vida por abandonar um sítio que admitia anões raivosos e cortes de cabelo foleiros. Deve ter sido mais ou menos nesta altura que acordei.


1ª posição

E, como quem não quer a coisa, chegámos ao primeiro lugar. Sei que acham que já leram estupidez suficiente mas se já chegaram até aqui mais vale constatar a demência na sua totalidade. Desistir seria como recuar a cinco metros de atingir o cume do Evereste e perder a oportunidade de morrer com falta de ar. É mais ou menos aquilo que pode acontecer a quem ler o que se segue.

Ora, no sonho, acordei de manhã e reparei que não tinha metade das pernas.

Tudo tranquilo.

A partir dos joelhos, tinha apenas uns pequenos e singelos coutos que praticamente não me serviam para nada. Portanto, acordei de manhã e constatei que não me iria conseguir levantar. Isso e que dificilmente voltaria a andar na vida.

Mas não me importei muito. Há coisas piores. Entalar a pila na braguilha, por exemplo. Quem já fez isto com certeza trocava de bom grado os segundos intensos de dor por um ou dois membros.

Acordei sem pernas e deixei-me estar. À espera que a coisa se resolvesse. Tentei recordar-me, a título de curiosidade, porque é que raios é que as tinha perdido assim. É sabido que sou distraído e que podia facilmente tê-las deixado em qualquer sítio, mas era pouco provável que me tivesse esquecido logo das duas.

Lembrei-me então que no dia anterior me tinha atirado para dentro de uma debulhadora de milho. E fiquei mais sossegado porque já sabia o que tinha acontecido.

Podia ter ficado deitado na cama, sem me mexer, sentido pena de mim próprio. Mas como nunca me senti triste, antes longe disso, lembrei-me de um tipo que tinha visto na Oprah que, sem braços nem pernas, fazia a sua vida, trabalhava e até jogava à bola com pessoal "inteiro". Esta parte era particularmente ridícula, com uma série de tipos em pontas dos pés a tentarem atingir o esférico sem acertar violentamente com um pontapé na boca do desgraçado que se arrastava pelo campo como uma sardanisca, mas pronto... o certo é que ele andava lá pelo meio e não devia nada a ninguém.

Inspirado pelo nobre exemplo deste bravo lá me comecei a equilibrar nos meus coutos, a pouco e pouco. Sem grandes demoras, e sempre com um sorriso na cara, conseguia agora até dar alguns passos, deixando de fazer grande diferença se tinha canelas ou não.

Foi então que apareceu a minha mulher...

Dei-lhe um abraço vitorioso e apaixonado...

E toda a alegria e força de lutar que sentia desvaneceram-se.

...

Comecei a chorar, em desespero.

...

É que eu conseguia lidar bem com o facto de não ter metade das pernas.

Para mim, viver o resto da vida aleijado e fisicamente limitado não me causava transtorno.

AGORA, SER SIGNIFICATIVAMENTE MAIS BAIXINHO DO QUE A MINHA MULHER É QUE NÃO!!!

Há limites e eu tinha encontrado os meus.

Foi mais ou menos nessa altura que devo ter acordado.

...


Bom, moral da história: não há.

Apenas me apeteceu divulgar ao mundo coisas que não lembram ao diabo.

Agora vou dormir, com o desejo sincero que o meu sonho envolva o prémio do euromilhões, o Benfica campeão europeu e todo o sushi que conseguir comer.

Sem cubos de carne de porco.

Sem anões pimba.

E sempre...

SEMPRE!

... mais alto do que a minha mulher!

Saturday, October 16, 2010

A Problemática dos Lémures

Encerrada de vez a viagem ao México, curada a infecção pulmonar que trouxe como "recuerdo" e de novo na roda viva do trabalho, da compra da casa e do lufa-lufa do dia-a-dia... é tempo de ocupar-me novamente de assuntos que de tão sérios dispensam demoras.

Falo da problemática dos lémures.

Para quem não sabe o que são lémures, coisa imperdoável, aqui fica uma achega: imaginem um guaxinim anoréxico. Aí têm um lémure. Simples, não é?

Por outro lado, se nem sequer sabem o que é um guaxinim então já pouco posso fazer para vos ajudar. Isso é o grau zero dos bichos patuscos, senhores.

Bom, o meu fascínio por lémures é algo que já tem feito correr muita tinta. Nomeadamente a minha. E escusam de dizer que só comecei a gostar deles depois de ter visto o "Madagáscar" porque isso é uma calúnia infame. Ainda o King Julian não sabia dançar o "Move it, move it" e já eu sabia de trás para a frente o que era um lémure e tudo mais que se possa saber acerca deles.

Basta olhar para eles: olhos redondos, muito vivos, como dois holofotes amarelos; orelhas peludas e hirtas, sempre alerta; expressão palerma no focinho; não vale a pena estarmos para aqui com meias-palavras, os lémures, se os animais trabalhassem, eram de longe OS PATRÕES.

Gosto deles, pronto. E podia ficar-me por aqui.

Mas eu nunca me fico por aqui...

Há uns tempos atrás pensei muito seriamente em adoptar um lémure. Pensei tão seriamente que cheguei a trocar alguns e-mails com o Badoca Park, para potenciar ao máximo esta experiência. Quando descobri que adoptar um lémure não significava exactamente trazê-lo para casa, não nego que fiquei algo embargado pela dor. Não foi fácil de recuperar do choque. Mesmo sabendo que o bicho provavelmente não se adaptaria muito bem a Benfica, há por aqui animais com ainda menos maneiras, pensei que o meu papel como pai adoptivo só poderia ser integralmente cumprido com este tipo de proximidade. De que outra maneira poderia eu controlar "as companhias"? Rever-lhe os trabalhos de casa depois das aulas? Falar com ele sobre miúdas?

Sei o que estão a pensar: em Benfica não há lémures fêmeas, logo não há "miúdas"... Mas já vi por aí trambolhos com o cio que certamente até se esfregariam nos escaparates do LIDL se isso não desse prisão. Por isso, um lémure seria para elas uma benção dos céus.

Bom, mas dizia eu que troquei mails com o Badoca Park. Mais do que seria desejável para ambas as partes. Para eles, deve ter sido esquisito responder a tantas perguntas e sentir tanto interesse de um indivíduo em apadrinhar um primata. Quanto à minha pessoa, senti que algo estava a impedir-me de atingir o meu objectivo, algo se estava a colocar entre mim e o meu lémure.

Primeiro queriam impingir-me um lémure de barriga vermelha. Pffffff

Excusado será dizer que os bons são os de cauda anelada. Mas esses não estavam na lista de adopção, o que me levou logo a tecer a minha primeira exigência: "Eu amo todos os seres vivos e todas as criaturas de Deus mas recuso-me absolutamente a adoptar um qualquer ranhoso de barriga vermelha que vocês me queiram impôr..." Foi com esta e outras considerações que facilmente consegui que os lémures de cauda anelada entrassem na equação.

O que me levou ao segundo problema: o apadrinhamento teria de ser presencial. Eu teria de me deslocar até Santo André no Alentejo para oficializar a minha nova condição de "pai adoptivo". E pensando bem era o mais correcto a fazer. Mais do que enviar um cheque frio e impessoal e correr o risco de ver o meu lémure tornar-se um marginal, sem referências nem valores, encostado às palmeiras a fumar marijuana o dia inteiro, a gritar ordinarices aos tratadores e a apalpar as turistas. Eu não poderia suportar tal fracasso no exercer das minhas funções de progenitor. Mas também não me apetecia fazer uma viagem de 200 km para fazer as coisas como deve de ser. Como tal tudo ficou sem efeito até hoje.

Continuo a gostar de lémures e continuo a querer adoptar um. Isto porque entre outras coisas, é-nos permitido dar-lhe nome. E eu queria muito que houvesse um lémure a chamar-se André Oliveira, tal como eu. Pagava bom dinheiro para ouvir os seguintes comentários de um tratador:

- Skippy deixa os outros lémures comerem fruta também. Maggie não mordas a cauda da tua irmã. Estás com o pelo muito giro hoje, Scottie. André Oliveira pára de atirar caganitas às pessoas!

Era espectáculo.

E agora, enquanto o mundo está em crise, o IVA subiu para valores astronómicos, o país está pior do que nunca e o Sócrates goza connosco como um perdido... julgo que estão reunidas as condições para finalmente adoptar o meu lémure.

Vou estudar novamente o assunto, que isto não é para se fazer de ânimo leve, e talvez ganhar coragem de tomar uma atitude.

Um gesto meu hoje, um lémure a menos no mundo do crime amanhã.

Ámen.

Friday, October 8, 2010

Era uma vez no México

Então diz que fui de férias para o México...

Há quem diga que voltei há poucos dias mas eu ainda não tenho a certeza. Isto de 6 horas para aqui, 6 horas para ali e mais o horror de tempo que duram as viagens bem pode significar que o verdadeiro Saguim ainda está perdido num qualquer limbo ou vazio temporal a perguntar ao Michael J. Fox o caminho para casa.

Agora pensando bem, e dada a minha épica falta de orientação, talvez fosse melhor não pedir ajuda ao Michael J. Fox. A última coisa que precisaria era de uma mão tremelicante a dar-me direcções. Para isso já me basta o maldito GPS.

Bom, regressado do México que conclusões há a tomar?


1)
O México não é nada do que dizem: não vi traficantes de droga nem tufões nem indivíduos a gritar "Ay Ay Ay". Nada disso.

2)
O México é perfeitamente seguro a qualquer hora do dia. Atravessei muitas estradas a pé, até durante a noite, e apenas fui abordado por um cavalheiro que se ofereceu para me conduzir gratuitamente até ao meu alojamento.

3)
No México a comida e a bebida são gratuitas e à descrição. E quando falo de comida e bebida não me refiro apenas a pão e água. Tacos, mojitos, pina coladas e margueritas eram à verdadeira vontade do freguês.

4)
No México há uma abismal quantidade de sujeitos de farda que nos tratam como se fossemos patrões.

5)
No México usamos uma pulseira verde que faz de nós patrões.


Portanto, um sonho de país. Regressado a Portugal, e informado que fui das recentes medidas do Governo às quais a minha educação e recém adoptada postura zen me impedem de comentar, tenho de admitir que será difícil encontrar melhor exemplo.

É pena que realmente se tenha de passar por tamanha odisseia para lá chegar. E quando falo em odisseia não me refiro apenas às já comentadas horas de viagem. Refiro-me a episódios em particular.

Pode ser para muitos um choque mas... eu viajo em turística.

Não que não pudesse efectivamente viajar em executiva, evitando assim a ralé e as doenças, mas prefiro não fazê-lo para dar menos nas vistas. E também para poder comer até ao fim do ano. Parecendo que não, faz diferença.

Seja como for, e por muito que passe pela experiência, tenho algum medo de voar.

Porquê? Pergunta estúpida. Mas ok.

Porque a ideia de me espetar a milhares de metros de altura e depois ter o que resta do meu corpo a ser reconhecido por um tipo que por acaso tinha em arquivo o molde dos meus dentes assusta-me um bocado. Provavelmente é mariquice mas ninguém é de ferro.

Ora, eu estranhei quando, a caminho para o paraíso tropical, em pleno voo, me foram servidas refeições claramente superiores àquelas que normalmente degusto em classe turística. Estranhei, mas como eu quando é para comer activo o modo "urso pardo", tratei do assunto mais depressa do que levaria à hospedeira dizer "O senhor desculpe mas acho que me enganei na sua refeição". A questão não se levantou, até porque todos estavam a comer o mesmo do que eu. Mas não era apenas isso que era bizarro. As bebidas que estavam a ser servidas, normalmente aquelas marcas de confiança e que toda a gente conhece, eram do LIDL. Cortes no orçamento, pensei eu. Mas não era bem disso que se tratava...

A dada altura, ouve-se aquele "clic" tradicional que anuncia que "o piloto vai falar". Mesmo sabendo que normalmente o que dali sai é qualquer coisa como "Ladizendgenilmentdisizorcaptonspkin. Ueeearenaulivinlisbonerepór...", eu acabo por ficar sempre hirto como rocha, temendo que algo de grave se passe e que esteja a ser comunicado aos passageiros como uma extrema-unção.

E o que se ouviu começou por ser isto:

"Senhores passageiros, quem vos fala NÃO É o vosso comandante..."

...

...

Tempo parou para mim...

...

...

Testículos mirraram até ao tamanho de pinhões.

...

...

Veias raiaram nos globos oculares.

...

...

Gotas de urina, libertadas, a conta-gotas.

...

...

Medo. O mais profundo e primitivo medo.

...

Depois deste início de frase, para mim, a conclusão só podia ser uma de três.


1)
"... quem vos fala é o terrorista Yasser Youssef que vai espetar esta capoeira de infiéis no primeiro arranha-céus que encontrar!"

2)
"... quem vos fala é o vosso co-piloto que está neste momento a fazer massagem cardíaca ao comandante sem qualquer sucesso, diga-se."

3)
"... quem vos fala é o tipo que riscou recentemente o carro do Saguim e que voltou para acabar o trabalho."


Portanto, coisa boa não podia ser.

Mas acabou por ser menos má.

Na realidade, a frase inteira foi a seguinte:


"Senhores passageiros, quem vos fala NÃO É o vosso comandante é o chef Olivier que preparou para todos refeições de primeira classe com ingredientes dos supermercados LIDL."


Era publicidade.

Nessa altura, não foi fácil fingir que nada tinha sucedido e que eu não tinha passado por qualquer tipo de aflição. Não falecer acabou por ser simpático, não me interpretem mal, mas quase desejei a morte mais tarde quando fiquei brutalmente mal disposto com a sandes de primeira do Olivier. Ninguém me mandou comê-la, sei disso. Mas quando uma sandes cruza o meu caminho é certo que um de nós vai deixar de existir. E nunca hei-de ser eu porque ser devorado por uma sandes parece-me estúpido.

Chegado ao México, tudo ficou melhor e mais calmo.

Sol.

Praia.

Piscina.

Vendedores ambulantes a burlarem-me à grande.

Tudo na mais profunda paz.

Se há coisa que acontece SEMPRE que me ponho a regatear, SEMPRE, é acabar por ser enganado. Eu afasto-me com um sorriso maroto como quem diz "Eh eh acabei por comprar isto a metade do preço que eles pediram...". Eles vêem-me afastar-me e riem à gargalhada apontando para a minha silhueta, como quem diz "O pacóvio do português acabou por comprar isto pelo dobro do preço que lhe custaria na barraca ao lado...".

Enfim, eu já encaro isto como uma tradição das férias. Para quê combater?

Ao contrário de malta que decide viajar meio mundo para ficar uma semana estendido ao sol, eu opto também por conhecer melhor a cultura da região.

Não que me interesse por cultura, que não interesso, mas a verdade é que eu não me bronzeio: eu avermelho-me. E às partes, que dá um efeito ainda mais giro. Vezes há em que fico vermelho e branco às tiras verticais. Parece mentira mas é verdade. Normalmente quando me apercebo disso sinto que só tenho duas alternativas: ou aguardo que os senhores de bata branca me lancem um dardo tranquilizante para estudarem a nova espécie de manatim bicolor que julgam ter encontrado ou meto-me numa camioneta e vou ver pedras velhas.

Fantástica cultura a dos Mayas. Uns tipos tão inteligentes, tão hábeis e tão sábios em tantas ciências como a astronomia, a arquitectura, a engenharia ou a decapitação... como é que foram tão facilmente conquistados pelos espanhóis???

Portugal, que é Portugal, sempre aqui esteve ao lado e fosse com uma espada, com uma lança ou até com uma pá de meter pão no forno, sempre corremos com os gajos daqui! Houve claramente qualquer coisa que falhou do lado de lá. Se calhar foi a língua. Como lá também se fala espanhol devem-se ter entendido logo, distribuído as tais pulseiras e depois quando deram por isso já não havia Mayas p'ra ninguém.

Dá que pensar.

Bom, o importante é que estou de volta há alguns dias.

O suficiente para constatar que este país não vai a lado nenhum se continuar a insistir neste tempo manhoso. Mas enfim, são políticas e eu nisso não me meto. Votem neles e depois queixem-se.

Ah só mais uma coisa: no México não há sushi de jeito. Também não podiam ser só virtudes. Se o México fosse uma mulher, não ter sushi de jeito, para mim, seria equivalente a ter buço ou os dentes da frente podres. Achei a sujeita engraçada, demos umas voltas durante uns dias, mas quando fui olhar bem encontrei esta incompatibilidade.

Não tem sushi de jeito.

Está morta para mim.

Friday, September 24, 2010

Há malta que devia levar com um ouriço gigante nos cornos!

Se calhar fui um bocado longe demais com o título... Comecei assim logo a abrir, com linguagem grosseira e maldosa, sem ponta de sensibilidade. Se foi isto que sentiram, peço desculpa.

Mas a verdade é que este título não é nenhum insulto...

É um desejo do fundo do coração.

Um pedido aos céus.

E eu bem o mereço. Sou honesto. Sou trabalhador (bem sei que estou a escrever este texto durante o horário de trabalho mas enfim... para português a fasquia também não é muito alta). Sou do Benfica. Sejamos francos, tudo isto me ajudará a fazer boa figura ao pessoal das togas brancas e das harpas que mora lá em cima, no dia em que eu me finar.

Por isso, eu devia poder pedir uma chuva de ouriços gigantes de vez em quando, e com isso despachar um magote de bandidagem de cada vez, contribuindo assim para um mundo melhor.

Ora bem, ouriços gigantes porquê? Primeiro porque estou ébrio de ódio e já não sei o que digo. Segundo porque têm espinhos afiados e porque, caindo de costas, depois de se espetarem pelo crânio de um indivíduo adentro iriam querer levantar-se e ir à vida deles, fazendo espichar um bonito efeito de sangue e miolos. Sei que é um pouco sádico este cenário mas, neste momento, o que para os outros seria horrível para mim seria fogo de artifício.


A RAIVA QUE SINTO!!!


Então não é que hoje de manhã, ao chegar ao carro, reparei que me fizeram um imenso e poderoso risco nas portas, ao longo de todo o comprimento da viatura? 'Tá tão giro...

E sendo o carro preto, um risco branco fica-lhe mesmo a matar.

O porquê do sucedido? Não sei. Não faço ideia.

O carro estava bem estacionado... Não estava num local de passagem... Não estava em zona de parquímetro sem pagar... Não estava num lugar para deficientes...
Isto embora, tenha lá ido um deficiente fazer m***a!

Fiquei uns bons 5 minutos a olhar para aquela maravilha, de boca aberta e sem grande reacção. Depois, efervesceu em mim um ódio primitivo e apeteceu-me fazer mal a pessoas. Quaisquer pessoas, sem critério. Avistei um grupo de estudantes que podia muito bem ser aviado à estalada. No final, agradecia, dava os bons dias, recolocava o chapéu na cabeça e ia trabalhar. Mais aliviadinho. Mas pronto, não foi bem isto que aconteceu.

Tive de engolir o sapo.

Resta-me concluir que foi obra de um inimigo, alguém que me quer mal e que aprecia erguer o punho e gritar "Saguiiiiim!" com ar demoníaco. Gosto de pensar que tenho um vilão na minha vida e que sou uma espécie de super-herói. Mas não faria mal se o morcão me viesse defrontar em campo aberto, à homem, ao invés de me andar a lixar a viatura. É um vilão um bocado fajuto, diga-se...

Enfim, suspeitos? Há.

Nomeadamente alguns.

E eles aqui ficam referenciados:


1) O meu Vizinho

Apesar de eu já não espirrar em casa há muito tempo, e com isso despoletar o radar anti-barulho que este senhor tem enfiado na peida (perdoem-me o francês), não há dúvida que há-de sempre figurar em toda e qualquer lista de suspeitos que eu faça. Ele odeia-me, isso é certo. O barulho que eu faço a andar no corredor, o som excruciante dos meus chinelos a bater no chão antes de eu os calçar, o horripilante tilintar dos talheres durante as minhas refeições... Tudo isto faz com que o meu vizinho já tenha arranjado uma tendinite de tanto socar a parede, em busca da quietude do mosteiro budista que ele gostaria que Benfica fosse.

Enfim, se foi ele a fazer o risco até admito que não tenha sido de propósito. Se calhar deixou cair qualquer coisa junto do carro e ao baixar-se riscou-me a porta com a cornadura. Já era altura de cortar as pontas, como nas touradas, mas não há meio...

No entanto, acho pouco provável que seja este o meu vilão. Para ir até ao meu carro fazer uma patifaria desta natureza, o homem teria de abandonar a sua tabacaria pelo menos durante 15 minutos, e todos sabemos que é coisa que ele não faz. E além disso, os vilões têm negócios de fachada mais fixes.


2) O Animal da Autoestrada

A besta ensandecida que me ia abalroando no trânsito no outro dia e que provocou num amigo meu a reacção "Wooo wooo wooo"... A avaliar pelos gestos de ódio que o gorila com hemorroidal efectuou dirigidos à minha pessoa, não seria absurdo concluir que ele terá assumido como prioridade acabar o trabalhinho que ia começando em plena autoestrada. Na traquilidade de um parque de estacionamento e sem "Wooo wooo wooo" a atrapalhar...

Apesar de ser um forte candidato à personagem de vilão da minha vida, há que assumir que estaria mais próximo de ser um velhaco das "Wacky Races". Bem diferente do mítico e galáctico criminoso que queria para ser o meu opositor. Por isso, espero que ainda não seja por aqui.


3) O Violador de Benfica

Bem sei que já foi apanhado mas nunca fiando. Lembro que, em Portugal, "apanhado" na grande maioria das vezes significa preso em liberdade preventiva, ou até em alguns casos, uma pancadinha ameaçadora nas costas e um "Vê lá se não voltas a fazer, meu malandro..."

Escrevi sobre o violador há uns tempos atrás nesta ocasião e é normal assumir que ele se quis vingar. Eu não disse mal dele, atenção. Não posso dizer que seja fã da violação ou que a aceite enquanto hobbie. Aconselho sempre os violadores a comerem antes uma peça de fruta ou a enfiarem uma bala nos cornos. Qualquer uma das duas é melhor do que tomar à força aquilo que em circunstâncias normais NUNCA seria deles. E isto é violação 101.

Bom, o violador andava a rondar o meu prédio, como provou um cartaz colocado no hall de entrada, escrito a marcador de feltro, por um dos meus vizinhos. A verdade é que o indivíduo não conseguiu levar a dele avante comigo e, cego de fúria, é bem possível que me tenha vindo riscar o carro. Apenas uma teoria...


4) O pensionista que gosta de obrar em piscinas

Last but not least e, quanto a mim, a hipótese mais provável. Escrevi sobre ele no meu último post, o causador da minha mais recente aversão ao exercício físico. No painel informativo da piscina onde costumo ir nadar estava um aviso que visava impedir que fossem, "uma vez mais", encontradas "FEZES" na água.

Eu exprimi a minha repulsa e ele não deve ter gostado.

Assim, não contente de espalhar m***a no sítio onde eu pratico natação lembrou-se de ir espalhalá-la também no meu meio de transporte. A mais plausível mas ainda assim difícil de considerar. Isto porque sabemos que o que os pensionistas gostam é de andar na autoestrada em contramão. Como tal, nunca que ele teria conseguido chegar inteiro a Benfica.


Tirando estes artistas, não consigo dizer quem foi.

Apreciava muito que Deus tivesse uma qualquer espécie de número verde para o qual eu pudesse ligar e resolver logo a questão de uma vez. Ir direito ao patrão sem passar pelos subalternos. Equivalente àquela altura em que dizemos ao telefone: "Quero falar com o gerente."

No entanto, penso que se assim fosse, para mim o número estaria sempre impedido. Ou então o anjo que atendesse diria que "ia passar" e punha-me a ouvir "O Bicho" de Iran Costa em loop, para todo o sempre.

Pensando bem, talvez não hajam fãs de Iran Costa no paraíso...

E o melhor é calar-me já senão o Iran Costa ainda se lembra de me ir riscar o carro.

Houvesse um ouriço gigante que lhe lixasse a coreografia!

Hoje estou de todo...

Wednesday, September 15, 2010

O Dia em que o meu Mundo parou

O meu dia hoje foi de cão.

Mesmo.

Não daqueles cães maricas cheios de berloques e perfumes até à ponta do focinho, habituados às mais elaboradas mordomias. O meu dia foi de cão sarnento, dos que andam a fuçar no lixo à procura de jantar e que acabam a roer uma bota, um pneu ou uma camisola do Sporting (não que esse cenário seja minimamente credível mas depois de um dia destes sabe bem achincalhar o clube rival).

A vida actualmente até corre bem. Tenho um emprego agradável com malta afável e simpática. Tenho uma família que sim senhor em todos os aspectos, amigos que valem a pena e até uma mulher que por sua livre e espontânea vontade mantém a decisão insana, dizem alguns, de partilhar a vida comigo. Eu até vou para uma casa nova, para longe do burjeço do vizinho que se excita a bater na parede, e tudo isso faz de mim um tipo feliz.

Tenho um pouco de peso a mais é certo. Mas até esse handicap está a ser combatido, dado que me inscrevi há algumas semanas numa classe de natação livre numa piscina perto do trabalho.

Portanto nada, mas mesmo nada, fazia prever o dia de hoje.

Passo aqui a relatá-lo, para que todos possam partilhar da minha dor:


O RELATO CHOCANTE, E SEM CENAS CORTADAS, DO UNANIMEMENTE PROCLAMADO COMO UM DIA MUITÍSSIMO FEDORENTO NA PELE DO SAGUIM (TAMBÉM CONHECIDO COMO "O DIA EM QUE O MEU MUNDO PAROU")


8:30

Toca o despertador. Acordo imediatamente mas o sono e a chamada ronha impedem-me de içar o meu enorme corpo de mamute. Deixo-me estar com um fio de baba a escorrer-me pelo canto da boca. A gata mia como se estivesse a ser esventrada. Eu limpo o fio de baba e ignoro os miados angustiantes do raio da gata. Deixo-me estar. A gata mia como se estivessem agora a enforcá-la com as próprias tripas. Eu levanto-me para garantir que não é isso que a minha mulher está a fazer.

9:20

Saio de casa com o meu chapéu de abas enterrado na cabeça. Digo enterrado porque já não o uso há alguns meses e aparentemente mirrou. Ao contrário da minha cabeça que continua a crescer sem qualquer controlo desde os 4 anos de idade. O chapéu corta-me a circulação na testa. Eu não ligo porque gosto de me ver de chapéu. As pessoas na rua não. Afastam-se. Olhando-me ao espelho consigo perceber porquê. Pareço um cigano. De barba, camisa escura e chapéu de abas. Era darem-me uma guitarra e verem-me interpretar "Borbujas de amor" de Juan Luis Guerra. Só que mais gordo. Acho eu porque nunca mais o vi.

9:30

Chego de carro ao Colombo, chapéu a abrir-me um lenho na testa tal é a pressão, para dar boleia a um amigo meu em direcção ao escritório. O gajo ainda não chegou. Páro o carro junto à berma do passeio, 4 piscas ligados, deixando o espaço semelhante ao estádio do Belenenses disponível ao meu lado para não atrapalhar o trânsito. Um gajo ao lado faz o mesmo e pára a lata dele junto ao outro passeio, deixando apenas metade do estádio do Belém. Continua a haver todo o espaço do mundo. Uma mulher idosa pára atrás de nós e começa a apitar muito irritada, cheia de linguagem gestual. Eu deixo-me estar a gozar o espectáculo. À espera que lhe dê um AVC. Ela sai do carro. Eu penso "Tu queres ver?". Em vez de ir chatear o outro vem-me chatear a mim. Eu penso em ir buscar a tranca na mala do carro para lhe desfazer a dentadura à base de marretada mas lembro-me que é capaz de dar cadeia. Ela diz: "Então como é?". Eu pergunto: "Não passa?". Ela volta para o carro e passa. Sempre a insultar-me. Passa ela e passaria um boeing 747. Mas ainda assim não me safo de a ouvir. Continuo à espera que lhe dê um AVC. Mas o carro não se despista. Então presumo que não lhe deve ter dado.

10:20

Chego ao escritório. Tiro o chapéu da cabeça exibindo uma bonita linha vermelha na testa semelhante à cicatriz de uma lobotomia. Ninguém comenta mas eu ouço os risinhos surdos vindos daqui e dali. Não ligo porque o chapéu é fixe. Stress lá num trabalho. Um telefonema, meia dúzia de calmantes e tudo parece estar encaminhado. Mas digamos que se entrasse por ali uma família de jaguares prontos a devorar-me naquele momento não iriam achar a minha carne nada tenra. Isto para além do excesso de gorduras polinsaturadas que lhes causaria o tal AVC que eu desejava que tivesse dado à velha. E o que é que a velha tem a mais do que os jaguares? Nada. Excepto o mau humor. Mas adiante...

12:00

Hora da natação. Nadar, descontrair, esticar os músculos, imitar uma baleia azul e fazer de conta que se está num programa da National Geographic. Tudo coisas giras. A água está a 33º. E o ambiente na piscina está ainda mais quente. Fui com um amigo que não se dá bem com esta temperatura. É natural. Ele e todos os outros que não apreciam cozeduras. Eu também sou um deles mas como preciso de perder peso prefiro pensar que é sauna / natação. Saio um pouco da piscina e decido dar um salto ao jacuzzi. Para descontrair. Entro no jacuzzi. A água deve estar a 60º. Perco a sensibilidade da cintura para baixo. Mas deixo-me estar. Paralítico mas feliz. Vem a responsável pela zona das piscinas. Sou expulso do jacuzzi. Diz que não posso estar ali, que tenho de pagar. Eu rio-me com a perspectiva de pagar para ser cozinhado. Saio do jacuzzi. À vista dela, como um marginal. Vou tomar banho para voltar ao trabalho.

13:00

Já chove. Coisa esperta. Ainda meio molhado da banhoca e já novamente molhado da chuva. Dá-me muita alegria. E desconforto também. Corro de volta para o escritório.

13:15

Vou aquecer o meu almoço: arroz de pato da Nobre. Uma embalagem com arroz e outra com pato. Engenhoso. A ideia era aquecer uma de cada vez e depois juntá-las. Eu junto-as logo e aqueço-as juntas. Não porque fique melhor mas porque não tenho paciência para esperar. O aspecto é miserável. Levo a papa para a mesa e procuro ignorar os olhares de nojo dos meus colegas. "Parece comida de cão...", comenta alguém. Eu concordo com as orelhas cabisbaixas. Compreendo que a minha mulher não tivera tempo para preparar nada melhor no dia anterior. E eu também não a quis obrigar. Ser bondoso dá nisto. Penso em colocar o prato num dos cantos da sala e comê-lo nas 4 patas como seria coerente. Mas acabo por comer à mesa, mesmo não merecendo.

16:00

O dia de trabalho corre stressante mas agora mais normalmente. Boa parte dos nervos já se foram e até parece que o dia tem alguma salvação. Fico a saber que o meu amigo, tendo abandonado a piscina mais cedo por a considerar algo muito próximo de um caldeirão de canibais no pico do fogo, decidiu preencher um daqueles papéis de reclamação / sugestão na secretaria. Eu acho bem, já estava na altura de alguém encostar os sacanas à parede. Só pela vingança de me terem expulso do jacuzzi. Aquilo, na realidade, não é um complexo de piscinas, digamos, normal. Pertence a uma associação de uma doença degenerativa nos ossos e é, em grande parte, destinada a tratamentos e, directa ou indirectamente, a pensionistas. Mas depois também há vagas para o público em geral, ou seja eu e o meu amigo, os únicos que deixaram de lado preconceitos e decidiram aceitar aquilo como uma piscina como outra qualquer, sem olhar ao mau aspecto que dá a tipos como nós frequentarem tal local. Ora, tudo correu bem até ele relatar o que lera no painel de informações aquando da entrega da sua reclamação.

...

Passo a citar:

"AVISAM-SE OS ASSOCIADOS QUE UMA VEZ MAIS FORAM ENCONTRADAS FEZES NA PISCINA..."

...

...

É preciso dizer mais alguma coisa?

...

Haverá mais alguma maneira de Deus me dizer que eu sou o Seu bobo favorito?

...

...

FEZES?!

...

...

Eu só queria fazer algum desporto... Mexer-me... Tornar-me mais saudável...

...

...

FEZES?!

...

...

Porquê eu?! O que é que eu faço agora?! Continuo a ir sujeito a... Jesus, nem consigo dizer... Sinto-me sujo, como se tivesse sido violado por javalis.

...

...

FEZES?!

...

...

Fezes...

...

Nessa altura, seria normal assumir que o meu dia tinha atingido o clímax. Mas não... Ainda não.

18:00

Ainda enojado pela história das fezes, e sem fazer qualquer ideia de como irei lidar com a situação, "arrumo a loja" e vou-me embora para casa. Tenho ainda de ir dirigir um pequeno workshop e, num dia como este, tudo pode correr mal. Dou novamente boleia ao mesmo amigo da manhã e a uma amiga que vai no banco de trás. Serenos da vida, seguimos caminho.

18:20

Estou na autoestrada de Cascais, rumo a Lisboa. Estou na faixa da esquerda. Faço pisca para a direita. Não vem ninguém. Lentamente, vou ocupando a faixa do meio. Na mais profunda paz. De repente, aquilo que parece ser uma mistura entre urso pardo com distúrbios mentais e o cú de uma vaca aparece lançado da faixa da direita sem fazer pisca e disposto a abalroar-nos. A minha amiga do banco de trás vê a tragédia a avançar na nossa direcção mas decide não dizer uma palavra. Para não incomodar. Porque quando um tipo leva com a frente de um chaço a enfaixar-se no seu porta bagagens, é bom que não haja nada a chateá-lo. Melhor ainda foi a reacção do meu amigo. Esse preferiu exprimir o seu pânico / indignação, ao ver a besta desvairada a aproximar-se, com a seguinte expressão: "Wooo Wooo Wooo". Sabem o que isto quer dizer? Eu também não. Mas ao menos deu para me aperceber da bonita colisão que se aproximava. Ao mesmo tempo, e a par do "Wooo Wooo Wooo" o meu amigo tentava também proteger-se com as mãos. Porque sabemos que se a outra carroça se enfiasse por ali adentro era bom que alguém lhe metesse as gânfias. Para evitar estragos maiores. Fui a tempo de me desviar e de apitar violentamente, esperando que o som fizesse explodir o cérebro diminuto do quadrúpede. E o ruminante levou a mal. Perseguiu-me e uns metros à frente colocou-se ao nosso lado, desenvolvendo toda uma panóplia de gestos em tudo semelhantes aos da velha do episódio matinal. Eu mandei-o ir pastar. E ele, cego de fúria e de assadura no escroto, seguiu em alta velocidade protagonizando novo episódio parecido com o nosso com outro carro uns metros mais à frente. Enfim. Apesar de tudo, senti-me agradecido pelo dia maligno me ter poupado de um choque no meio da autoestrada. Porque a avaliar pela sede de porrada do animal mau condutor era bem possível que não me safasse de andar à bulha por entre centenas de veículos em alta velocidade. Era capaz de correr mal e eu já não estar aqui a escrever-vos estas linhas. Ou então a escrevê-las com uma jante enterrada na cana do nariz. Quem sabe?

19:00

Deixei os meus companheiros nos locais respectivos. Estacionei o carro perto de casa. Agora vou apanhar o comboio. Tenho de comprar um bilhete de ida e volta pois não tenho passe. Passe é para os pobres. O comboio está a chegar. Há filas nas máquinas de comprar bilhetes. Que surpresa chocante. E as filas não estão a avançar. E o comboio a chegar. Duas mulheres permanecem especadas em frente ao mostrador da máquina, carregando nos botões aleatoriamente, queixando-se que "Não dá!". Eu sinto-me cansado. Podia chegar-me à frente para as ajudar mas nada faço. Não há nada que eu possa fazer. Há anos que ando de comboio e se há coisa que essa experiência me ensinou é que sempre que vou comprar bilhetes há SEMPRE alguém que permanece especado em frente do mostrador, a carregar nos botões aleatoriamente e a queixar-se que "Não dá!". Mesmo sem tempo nenhum e a ver a minha vida a andar para trás, depois de um dia que me deixou quase literalmente de rastos, prefiro imaginar as variadas formas de como as duas mulheres podiam morrer naquele momento. Imagino-me a cortar-lhes as gargantas com o meu bilhete por carregar, à Steven Seagal, e a atirar-lhes as cabeças com violência contra à porra do mostrador que simplesmente "Não dá!". Sorrio com muita malícia. Acordo do transe, preocupado com a minha escala de valores e capacidade de distinguir o bem do mal, e carrego o bilhete na outra máquina.

19:20

Aproximo-me da escola onde vou dirigir o workshop. Apercebo-me que me esqueci da chave da mesma, que era suposto devolver. Apenas mais uma acha para a fogueira do dia 15. Nada de relevante, atendendo ao que já passei desde manhã. Caminho para a sala, com os nervos à flor da pele, receando que os formandos me esperem com archotes e forquilhas, dispostos a perseguir até à morte o impostor azarado, isto seria eu, só para coroar em beleza um dia mau. Aí eu fugiria hurrando até um moinho abandonado, eles deitariam fogo ao moinho e eu conheceria um horrível fim entre chamas e faíscas. Enquanto isso, o meu amigo gritaria lá em baixo qualquer coisa como: "Wooo Wooo Wooo" para me avisar que algo de terrível estaria para acontecer. E eu, antes de conhecer o meu fim veria num letreiro um aviso com a seguinte inscrição: "AVISAM-SE OS ASSOCIADOS QUE UMA VEZ MAIS FORAM ENCONTRADAS FEZES NO MOINHO..." Enfim, agora dispersei-me um bocadinho.

19:30

Chego à sala. Nada de aldeões raivosos sedentos de vingança mas sim um dos formandos que chegou mais cedo. Explico-lhe que o meu dia está a correr tudo menos bem enquanto tento servir-me um copo de água. O jarro resvala e produzo um fantástico efeito de cascata pela mesa de formação afora. Pergunto-me o que mais falta acontecer... Mas não obtenho resposta e dou início ao workshop.


Agora estou em casa. Sendo que são agora 1:46, "O Dia em que o meu Mundo parou" conheceu o seu fim há já alguns minutos. Sobrevivi a ele e sinto-me como um daqueles veteranos de guerra, disposto a juntar-me em almoçaradas aos companheiros que, como eu, também lhe fizeram frente. Num restaurante porreiro com ambiente acolhedor. Comida caseira. Vinho da casa.

E se possível sem fezes...