Thursday, January 6, 2011

Isto promete...

Com que então ouvi dizer que andava por aí um ano novo...
Diz que se chama 2011. E também diz que promete invadir-nos o recto tal qual um supositório XXL. Isto é o que se diz.
Assim à primeira vista, 2011 parece-me aqueles putos que ainda nem sequer falam mas já auguram vir a ser uns marginais do pior, que um gajo olha para eles e não há dúvida que aos doze anos já fizeram dois filhos à educadora de infância e um ao psicólogo da casa de correcção. O novo ano, embora ainda recém-nascido, não engana ninguém. Vai ser uma besta!

Como eu já sabia disto tudo mesmo antes de olhar para o imberbe na cara, decidi fugir para bem longe na passagem de ano. Para um local tão estranho e inóspito que nem o mais astuto dos anos me encontraria... Há que dizer que 1986 esteve lá muito perto, mas não conseguiu ir além da estação de serviço de Viseu. Isto porque se enganou e pôs gasóleo em vez de gasolina no depósito. E, como todos sabemos, a partir da década de 80, os anos passaram a andar a Sem Chumbo 95.

Bom, estupidez extrema aparte, convém desvendar desde já que decidi ir passar o fim de ano a Bragança.

Sim, a Bragança que fica no extremo norte de Portugal.

Isto porque, à falta de melhores termos, sou um erudito incorrigível, sedento por cultura, partindo em busca das mais ancestrais tradições pagãs das aldeias no acolher do novo ano. E também porque me interessava bastante encher o bandulho à grande e à transmontana. Digamos que tudo contribuiu um bocadinho, vá.

Uma das tradições da região é a chamada "Festa dos Rapazes", em que jovens solteiros saem das suas casas de garrafa de aguardente em punho, cantando e dançando, na ânsia de impressionar as mulheres. E, pensando bem, a diferença entre um grupo de "jovens solteiros" e outro de "alcoólicos exibicionistas" acaba por ser uma e só uma palavra: tradição. É que também já assisti a tradições deste género no Bairro Alto, por exemplo. E, escusado será dizer que nenhuma delas acabou bem.

Mas eu lá fui. E confesso que não foi fácil explicar a alguns amigos meus que ia fazer centenas de quilómetros para ir a uma "festa de rapazes". Mesmo dizendo que a minha mulher iria naturalmente comigo, houve olhares de soslaio que eu preferia que não tivessem acontecido. Enfim, lá fui. E convém dizer que Bragança é longe p'ra c*****o. Demora-se quase um dia inteiro a lá chegar! E eu pensava que isto só acontecia no tempo dos reis...

Alojamento? Hotel Íbis.
Sim, porque se é para festejar o fim de ano, não se olha a despesas. Só do bom e do melhor aqui p'ró campeão.

Bragança em si é interessante. E em mim acabou por ser interessante também.
Não havia muita gente na rua, apesar de não estar muito frio, o que me levou a desconfiar de um de dois cenários possíveis: ou as pessoas estavam todas na parte boa da cidade, parte essa que acabei por não ver, ou então andava tudo a fugir de mim que não faço a barba há quase um mês.
Seja como for, tive sempre a ideia de estar a explorar um cenário de um filme em que faltavam claramente os figurantes. E os poucos que havia, repetiam-se: vi o mesmo casal mais do que uma vez, o que me leva a crer que até na longa metragem que é a minha vida se começam a sentir cortes orçamentais. Os mesmos tipos que fazem de donos do restaurante onde vou almoçar são forçados a correr, colocando bigodes e fardas ao mesmo tempo, para fazerem de agentes da GNR que me irão fazer parar numa operação stop mais à frente. E provavelmente multar-me pelo vinho que me serviram há uma hora atrás. Enfim, tudo isto é muito confuso.

O jantar de fim de ano foi agradável, como são todos na companhia da minha linda mulher (uma das resoluções de ano novo, como já devem ter reparado, é convencê-la a fazer mais vezes sushi). Depois de sairmos do restaurante, às 23h, partimos em busca do local da "animação". Não havia. Quer dizer, local havia, não me interpretem mal. Haviam vários até, que Bragança não é assim tão pequena. Mas "animação" nem vê-la.

O que é que se faz quando falta meia hora para a passagem do ano e não se encontra mais de 6 pessoas juntas em lado nenhum? Vai-se para o castelo, claro está.

Na zona do castelo de Bragança, além de três pensionistas embriagados que aqueciam as mãos ao calor de uma grande fogueira, ou madeiro como lhe chamam por lá, estava também um super deprimente grupo de saloios que claramente viu pela primeira vez o passar do ano fora da casa dos pais. E se estavam bêbados, os imbecis... Pelo menos os guinchos que as moças soltavam, muralha fora, a isso apontavam. Ou era bebedeira ou era cio. E eu desejei ardentemente pela primeira hipótese.

Às 23h45 apeteceu-me urinar, não vou mentir. E na ausência de casa de banho a solução foi a muralha do castelo. Portanto, acabei 2010 como um javardo que mija para cima do património nacional e iniciei 2011 como o único indivíduo lúcido entre uma trupe de cavalgaduras bêbadas (excluindo a minha linda mulher, é claro. Eu já disse que ela é linda? Ah pois disse. Bom, mas nunca é demais repetir...)

Chegando a altura da contagem decrescente, como é óbvio cada um contou para o seu lado. Eu decidi não ligar a isso porque é certo que não há nada mais espalhafatoso que uma valente catrefada de fogo de artifício para indicar a meia noite.

4...

3...

2...

1...

PÁ (foguete)

PÁ (foguete)

...

...

...

E mais nada.

Acabou-se a festa.
Dois foguetes, xixi, cama. Foi mais ou menos esta a mensagem que Bragança quis passar.

E eu tudo bem... Como não gosto de contrariar ninguém, e muito menos uma cidade, assim fiz. Afinal de contas, havia uma suite no espanpanante Íbis a chamar por mim.

No dia seguinte, a minha linda mulher (gosto mais do sushi com abacate do que com pepino, é bom não esquecer) amanheceu a mostrar-me uma lista das aldeias envolventes e das suas tradições de fim de ano. Afinal a Festa dos Rapazes era mais na altura do Dia de Reis, coisa que muito me teria aborrecido caso eu fosse um homossexual ensandecido e sedento por privar com adolescentes ébrios de faces rosadas. Porém, como evidentemente não sou nada disso, pelo menos da última vez que olhei para o BI, essa "desfeita" foi-me completamente indiferente.

A boa notícia é que não faltavam rituais por aquelas terrinhas fora.
A má notícia é que os mais giros aconteciam nas aldeias que estavam mais longe.

Portanto, lá nos metemos no carro. Prestes a fazer oitenta quilómetros para ver tipos mascarados a fazer macacadas. Não me ocorre melhor maneira de começar o novo ano.
Quando chegámos à primeira paragem, não só não se viam macacadas como também não se via ninguém nas ruas. "Que surpresa chocante! E isto que estava a correr tão bem...", pensei eu. Ao sairmos da viatura, eu e a minha mulher ficámos em silêncio a olhar para a igreja local. Para isso e para o conta-quilómetros do nosso carro, que em dois dias tinha feito o equivalente a cinco voltas à Sibéria sem atalhos. Foi então que começámos a ouvir um som característico, o som das gaitas de foles. A festa estava a decorrer e não podia estar longe! Aquilo era tão pequeno que nada era longe. Corremos que nem loucos, de máquina fotográfica em punho, livres como crianças para ver o maravilhoso espectáculo pagão que 2011 nos reservava.

A música inebriante. Tão linda. Tão melodiosa.

Corríamos, entusiasmados.

Cada vez mais perto.

Linda, a música.

Linda, a minha mulher, a correr.

Ofegante, obeso, também eu corria.

Mais perto.

Música.

Mulher.

Obeso.

Corrida.

A festa era já ao virar da esquina.

Estávamos lá quase!!!

Virámos a esquina...

Acabou!

...

...

Foi mais ou menos isto.
Metemo-nos no carro e fomos embora.

Ainda visitámos mais uma aldeia para ver um tipo com pinta de ex-toxicodependente vestido de diabo, ou lá o que era, a bambolear-se em troca de uma ou duas moedas. Nada que não se veja em Arroios durante o ano todo, diga-se. Por isso, metemo-nos novamente no carro e voltámos para Bragança.

E foi assim, em traços muito gerais, que entrei no novo ano.
Claro que fora isto, passeei muito, comi e bebi como deve ser, partilhei momentos especiais com a minha mulher, que é linda, by the way, e fiquei a conhecer coisas que não conhecia. Escusava era de ter ido p'ra tão longe, porra! Mas agora já está, já está...

Não sei se entrei em 2011 com o pé direito se com o pé esquerdo. Seja como for, sei que devo ter entrado com ambos os pés nos pedais do carro porque pouco mais fiz no fim de semana.

Quanto aos rapazes da Festa dos Rapazes, não sei se já a organizaram ou não mas procurem não se embebedar demasiado sob pena de acordarem de manhã ao lado do Manel da Drogaria. Isso ou na cama da velha do cabelo roxo que mora no prédio onde eu trabalho... Já falei sobre ela no passado.

Afinal de contas nem toda a gente pode ter a minha sorte e acordar todos os dias ao lado de uma mulher que é linda...

E que bem que ela faz sushi!

6 comments:

Peres said...

Acho que foi o melhor que li até agora! Ahahah, adorei! Bela passagem de ano ^^ Para a próxima vai mesmo para a Sibéria, deverá haver mais animação :D

André Oliveira said...

Thanks, my friend. Temos de lá ir fazer um episódio especial, então. hehehe

Ivo said...

André, BIG MISTAKE!!
Só se deve ir visitar essas terras quando se conhece lá alguém que te mostre os sítios impecáveis! Assim é natural que te sentisses perdido lol Ao menos tens uma mulher linda, que te vai fazer uma catrefada de sushi no ano que nos vai invadir o recto. Nem toda a gente se pode gabar disso!

Pena Frenética said...

Ano Novo, aventuras novas, textos cada vez mais hilariante! Já me ando a repetir. Mete mas é isto tudo num livro para e pessoal comprar:) Grande abraço.

André Oliveira said...

Pois, mas eu sou um daqueles palermas que ainda curte mais assim do que se tivesse tudo estudadinho... eheh sempre me dá assunto para falar durante o sushi. :)

André Oliveira said...

Obrigado, amigo. Vou tratar disso ainda este ano. ;)