Thursday, January 20, 2011

Os animais são más pessoas

Encontro-me neste preciso momento a escrever no meu portátil, enfiadinho na cama porque apanhei p'raí uma carraspana exótica difícil de identificar. Na dúvida, chamo-lhe virose. Um velho truque que os médicos utilizam quando não sabem o que é que um gajo tem. Ou dizem que não tem nada e arriscam-se a levar com um processo se o indivíduo patinar ou dizem que é uma virose e aconteça o que acontecer estão safos. Malta esperta, os médicos.

Mas não é disso que quero falar hoje...

Enquanto procuro equilibrar o computador no colo, fazendo com que a máxima percentagem do meu corpo esteja debaixo das cobertas e a apanhar o tradicional e muito terapêutico "quente", a minha gata está aos gritos e às cabeçadas à mobília do hall de entrada.

Porquê?
Porque sim.
Porque pode.

Claro que podia ter algum respeito pela minha condição enferma, assim como podia respeitar o meu sono e o da minha cara metade quando decide acordar-nos todo o santo dia de manhã com miados e lamúrias. A minha gata parece-me uma daquelas ciganas romenas que não larga as pessoas nem por nada, cheia de pieguices, a pedir esmola. A diferença é que a minha gata não pede esmola, ela não quer saber disso. Na verdade não quer nada. A não ser chatear.

Eu gosto de bichos mas desconfio que eles não vão muito com a minha cara.
Além do mais não os entendo. Invariavelmente a nossa relação acaba por seguir no caminho do absurdo, como um sketch sem piada de uns quaisquer "Malucos do Riso" finlandeses... Aprecio animais assim como aprecio as pinturas do Miró: faz-me sentir bem cá dentro mas não percebo patavina do que se está a passar.

A minha gata é apenas um dos exemplos.
Veio cá para casa como gato. Foi assim que a apresentaram e foi assim que ela se comportou nos primeiros meses. Enchia-me de orgulho. Finalmente tinha junto a mim um astuto companheiro de brincadeiras, outro macho com quem beber uma bejeca fresca ao final do dia e falar de bola. Ah e também o adereço ideal para as minhas imitações de vilão de James Bond... Mas isso já prometi que não voltaria a fazer. Pelo menos não em público.

Um belo dia vou ao veterinário e ele dá-me a notícia de que o que tinha em mãos não era na realidade um magnífico e viril exemplar macho mas sim uma fêmea com um corpo um pouco mais masculino. Uma espécie de Dina, a cantora de "Amor de Água Fresca", mas em gato. E eu tudo bem. Tal qual Nené, a antiga vedeta do Benfica que não sujava os calções, que um dia descobriu que o que tinha em casa não era bem aquilo que esperava, aceitei o que o destino me oferecia e perdoei as mentiras e os enganos protagonizados pela criatura. Perdoei mas não esqueci, claro está.

Os animais são más pessoas, a verdade é essa. Não é à toa que lhes chamam "animais"...
É que uma boa percentagem deles são umas verdadeiras bestas!

Convém não esquecer que damos cama e comida a esta ingrata de bigodes! E só não damos roupa lavada porque a quantidade de pêlo que ela produz e perde todos os dias dava para começar um negócio de mantas. Escusado será descrever as maravilhas que este isto faz pela higiene aqui do poiso...

Até porque não é só a gata que cá mora. Damos também guarida a uma coelha que, à falta de melhor termo, é aquilo que de mais semelhante conheço com o próprio anticristo.

Relembro também (peço desculpa por estar a desbobinar tanta coisa a meu favor mas é hora de dizer algumas verdades a estas duas) que fui comprar a sacana das orelhas compridas a um shopping manhoso e que ela na altura tinha mais sarna que uma prostituta em Saigão. Mas será que isso me demoveu? Não, senhores. Não é esse o tipo de pessoa que eu sou. Levei-a na mesma, ofereci-a à minha mulher e foi com muito orgulho que a vi durante meses a tratar a doença da coelha, a levá-la ao veterinário, a aplicar-lhe remédio nas chagas, a comprar-lhe os medicamentos, etc. O tipo de coisa que me devia fazer estar num pedestal aos olhos do bicho... Mas não é isso que acontece.

Odeia-me de morte.
Olha para mim de lado com um esgar de "Se te apanho a dormir, arranco-te a jugular à dentada e faço ninho no teu fígado ó filha da p**a!!!"
Eu faço que não é nada comigo mas sei bem que a única coisa que garante a minha segurança é o simples facto de ter mais de dez vezes o tamanho dela. Parecendo que não, faz diferença.

Mas ao menos a coelha tenta-me morder apenas em situações triviais como quando me chego demasiado perto da gaiola ou quando estou a tentar enfiá-la dentro de uma panela de água a ferver. Isso eu compreendo. Agora a gata devia saber melhor. Devia ter a noção que às 6:30 da manhã as pessoas estão na altura mais gostosa do soninho. Exactamente naquela fase em que faz muita diferença ter um animal aos guinchos no quarto ou a raspar com as unhas nas portas do armário. Às 6:30, fazerem-me este tipo de coisas é equivalente a servirem-me um pequeno almoço de café com leite e testículos de boi. Muito desagradável.

Confesso que já perdi a cabeça por uma vez ou outra e arremessei o chinelo contra o demónio. Sempre sem sucesso porque, no fundo, é isso mesmo que ela quer. Que eu me descontrole e passe a ser mais um a usar pijama mesmo durante o dia e a tomar as refeições por uma palhinha. Mas eu recuso-me a dar-lhe esse gostinho.

Vale a pena recuar até aos anos 90 quando, ainda em casa de meus pais, tive um pequeno peixinho cor de laranja chamado Aníbal. O peixe tinha este nome por duas razões fundamentais: primeiro porque sendo laranja fazia sentido que tivesse o primeiro nome do conhecido político do PSD, e actual Presidente da República, Cavaco Silva e segundo porque na altura eu era AINDA mais estúpido do que sou hoje. Era Aníbal, o peixinho. E rodopiava no seu aquário de balão todo o santo dia. Que mais havia para fazer ali? O comportamento obsessivo do animal não era mais do que compreensível, diga-se.

Vai daí, uma manhã, encontrei o Aníbal inerte no chão. Deitado de lado, ainda com um movimento leve de barbatanas, fazendo antever que não teria sido há muito que saltara do aquário, feito idiota, tendo ido parar às tábuas do soalho.

Grito mudo.

Pânico.

O meu Aníbal, quase morto.

O meu animal de estimação.

...

Peguei nele com jeitinho.

Icei-o do chão.

E depositei-o de novo na sua casa de vidro.

Ainda vivia, o malandro.

...

Podia ser uma bonita história com final feliz não fosse o desgraçado ter ficado com metade do corpo colada ao chão. Nesse momento, assemelhava-se muitíssimo ao vilão Two-Face, das histórias do Batman, e o seu aspecto era deveras grotesco. Do lado direito, vigoroso como sempre: olho brilhante, barbatana vivaça, escamas impecáveis. Do lado esquerdo, um cadáver autêntico: nem olho, nem barbatana, nem escamas nem nada de nada. O Aníbal era agora um ser "especial" e nem o facto de apenas conseguir nadar em 360º por só ter uma barbatana me fez desitir dele. E assim foi até ao dia em que partiu. Ou seja, o dia seguinte.

Bom, esta história de terror toda p'ra quê?
Nem eu sei bem.

Acho que era para provar que sou um tipo porreiro para os animais em geral e eles, em geral, são maus para mim. Para mim e para a grande maioria das pessoas, é importante referir. Falemos de pandas, por exemplo. Os bichos há décadas que dão a dica que não estão interessados em continuar por aqui, que estão prontos para o estágio seguinte da existência. Basicamente, desistiram de pinar. E não há um dia que passe que os chineses não vão lá espicaçar os ursos, mostrando-lhes vídeos pornográficos e citando-lhes poemas lascivos. Querem à força ter mais pandas no mundo, nem que tenham de matar todos os pandas para consegui-lo.

Curiosa a forma como os animais conseguem lixar o sistema.
E fazem-no conscientemente, não me venham com cantigas a dizer que os bichos são ingénuos e todos uns santinhos. Eles sabem o que fazem e se o fazem é porque de alguma forma o merecemos. Pelo pardieiro em que conseguimos transformar este planeta, merecemo-lo sem dúvida. Aí tenho de dizer também eu mea culpa.

E talvez por isso nem tenha ficado muito ofendido quando em plena agitação matinal arremessei a minha pantufa... E entre um ou outro flash ensonado... Penso ter visto a minha gata virar-se para mim e fazer um gesto feio com a pata.

Definitivamente, acho que estamos em guerra.

4 comments:

Noivo said...

Os animais estão a assumir o controlo... uma conspiração que tenho vindo a reparar à algum tempo mas só mesmo tu para lhe dares palavras!

Aquilo eles devem de fazer parte de uma seita qualquer visto que agora peixes e aves têm vindo a suicidar-se em massa só para nos impor respeito!!!

Peres said...

Ahhahah, bem história! E a do Aníbal, o peixinho...nem tenho palavras, parti-me a rir! Sempre em grande forma!

André Oliveira said...

Ehpá, não me fales disso do suicídio dos pássaros que fico logo arrepiado. Só estou à espera de 2013 para cuspir na campa do Nostradamus... não tenho uma noite de sono como deve de ser há anos por causa dele!

André Oliveira said...

Saudoso Aníbal... eheheh

Obrigado, amigo. Abraço.