Friday, October 7, 2011

Prá frente, sempre!

Ora então, dei por mim e estava visivelmente cansado...

Depois de meses e meses a labutar como uma criança de cinco anos no Bangladesh, concluí que precisava mesmo de um merecido período de férias. E daqueles longe da internet, do telemóvel e até da TV e da Playstation... Absolutamente nada a povoar a minha imaginação além dos meus próprios pensamentos dementes. No fundo, aquilo que o meu corpo e mente exigiam era o mais inócuo e sepulcral sossego, daqueles que só a gruta mais inóspita, o buraco mais denso e profundo conseguem proporcionar. Portanto, acabei por ir prá Madeira.

Não que seja a altura mais pacata para lá ir... Sei bem que não é.
Depois da descoberta da dívida que o Governo Regional acumulou durante uma catrefada de anos, e até tentou encobrir no início do levantar deste processo manhoso, dia sim dia não o Alberto João decide vir berrar qualquer disparate em público como mais uma tentativa de atirar areia para os olhos daquela gente... E atenção que isso é coisa para aleijar! Durante a minha estadia percebi que a areia na Madeira é preta e grossa como um comboio na linha de Sintra. Mas enfim, o homem berra como se não houvesse amanhã e nem sequer está muito enervado quando o faz. Berra porque é assim que ele comunica. Ele e todos os que sofrem do conhecido síndrome de Valentim Loureiro, claro. Por um lado, não há dúvida que AJ tem as suas falências mas por outro também é certo que realizou obra por toda a ilha. Eu continuo a duvidar bastante que tenha sido ele a acartar o cimento e a tijoleira pelos montes e vales mas enfim... Que o homem tem a educação de um trolha lá isso tem.

Mas a verdade é que é raro o estabelecimento ou o edifício que não tenha à porta uma placa a dizer que foi inaugurado no dia tal do ano tal pelo ilustre presidente do Governo Regional da Madeira. Estas placas são às pazadas. Tanto que a dada altura até fiquei surpreendido por não ver miúdas também elas com placas ao pescoço a dizer que foram inauguradas aos dezoito anos por AJ. Certamente que vontade não lhe havia de faltar.

Bom, mas voltemos à Madeira propriamente dita... É muito bela, não haja dúvida.

Tem um grande inconveniente. Toda a ilha apresenta um declive de, mais ou menos, 90º. E é sempre a subir.

Lá, não se passeia. Quanto muito escala-se.

Os Madeirenses têm as suas panças, sim senhor. Gorduras a adejar debaixo dos braços, ora muito bem. Mas todos ostentam uns gémeos tão sólidos e definidos que fariam Jean Claude Van Damme chorar de inveja como uma noviça açoitada.

Já eu, durante a minha estadia, não demorei dois dias a sentir as mais agudas das dores nas pernas, passando grande parte do tempo restante a deslocar-me em ziguezague, como um leproso em fase terminal, gemendo a cada passada. Mas porra, se valeu a pena...

Toda a ilha me fez lembrar a Suíça. Não tanto a parte do yoddle e dos bancos mas mais no que concerne ao queijo. Eu sei que nos dias que correm se fala muito de buracos e tal mas, sejamos francos, aquilo está tudo esburacado. São tantos os túneis que povoam a Madeira que quase me fazem crer que esta tem caruncho. Depois, temos um problema. Há efectivamente um Centro de Saúde e uma Escola em cada terrinha, isso há. Mas com os túneis todos acabam por haver estabelecimentos com malta efectiva a trabalhar e a ganhar do belo, a cinco minutos uns dos outros. Portanto, não é preciso ser nenhum yoda em economia para perceber que isto mais tarde ou mais cedo ia dar chispalhada...

E depois há a descida dos cestos. Para quem não sabe é quando nos enfiamos em tobogãs de vime e somos empurrados ilha abaixo por corpulentos madeirenses que, a julgar pelo aspecto e pelas tatuagens nos antebraços, de bom grado nos espetariam de frente no primeiro penhasco se não soubessem que seriam judicialmente punidos por isso. Pode ser um tanto arcaico e até um pouco aparvalhado mas a verdade é que é também bastante divertido. Principalmente depois de passarmos pela experiência e continuarmos a ostentar os dentes da frente.

Há também o Museu da Baleia do Caniçal. Um verdadeiro santuário dividido em dois momentos. No primeiro é-nos dado a sentir um verdadeiro espectáculo de carnificina onde, e juntamente com o suave aroma de sangue e vísceras de baleia, podemos observar como durante décadas a malta da Madeira perseguiu e cortou às postas todos os cachalotes a que conseguiu deitar a unha. Já no segundo, mostram como entretanto se arrependeram e agora os estudam e lhes dão festinhas... Não deixa de ser um contraste um tanto ou quanto abrupto mas acho que resulta.

Além disso há ainda o artesanato de vime da Camacha, o vinho da Madeira, as piscinas naturais de água choca e com cheiro a mijo de Porto de Moniz (nas quais, e com plena consciência que com isso reduzi substancialmente a minha esperança de vida, mergulhei), a poncha, os maracujás, as espetadas...

Tudo coisas espectaculares.

Mas não tão espectaculares como a propaganda eleitoral para as votações que se avizinham.

Ao contrário do que eu pensava, não é só o PPD-PSD que pode promover os seus candidatos. Mas, tal como eu pensava, os outros partidos parecem gozar de substancialmente menos espaço para esse efeito. Há várias situações onde um gigante e titânico AJ, emplastrado num outdoor, aparece rodeado daquilo que parecem pequenos anõezinhos compostos pelos outros candidatos, impressos em cartazes de muito menores dimensões. Pode não ser muito justo mas o efeito é deveras engraçado.

De certa forma, esta diferença de escalas até acaba por castigar a falta de originalidade nos "gritos de guerra" daqueles que pretendem, afinal de contas, fazer um assalto ao poder: "Para salvar a Madeira" diz o aborrecido PS, "Acreditamos nos Madeirenses" diz a maçuda CDU, "ELE NÃO É A MADEIRA!" grita o sempre alarve Bloco de Esquerda enquanto exibe uma foto do olhar sinistro de AJ. Tudo tretas previsíveis e pouco estimulantes, diga-se. Ah e o maluco do Coelho que agora é do Partido Trabalhista também diz qualquer coisa... mas a verdade é que ninguém lhe presta muita atenção.

Seria de prever que numa altura como esta, com tanto fervilhar de emoções e de graves acontecimentos a virem a público, as coisas estivessem menos cinzentas. Mas, verdade seja dita, o único a apresentar uma abordagem objectiva e original foi, uma vez mais, o inevitável PPD-PSD.

Uma beleza apenas comparável à vista da marina do Funchal. Lindo, lindo, lindo.

O lema é : PRÁ FRENTE, SEMPRE! MADEIRA, SEMPRE!

Okay...

Como pano de fundo, há um inebriante gradient do azul para o amarelo e do amarelo para o azul. São as cores da Madeira, 'tá certo, até aí percebo... E o degradé dá-lhe aquele toque de modernidade que nenhum outro partido conseguiu atingir. E depois admirem-se que o homem não saia do poleiro! PRÁ FRENTE, indeed.

Ainda em relação ao slogan, não há maneira de o ler sem que na minha cabeça soe a voz de AJ a berrá-lo. E talvez para isso muito contribua a fotografia do próprio, estampada em cima do gradient, acentuando assim o efeito espectacular.


Sobre a figura de AJ, três aspectos:

- É notório que não tem qualquer pescoço. Do colarinho é espargida uma massa amarelo-rosada que, apesar de algo disforme, adquire um formato que se assemelha a uma cabeça... Assim como aquelas seringas dos bolos a expelir recheio.

- Todo e qualquer sujeito que procure tapar a careca com uns escassos e ralos fiapos de cabelo grisalho merece toda a minha admiração. Não é novidade para ninguém que, em pleno séc. XXI, este truque patético não causa qualquer ilusão (se é que alguma vez causou...) Por isso, quando um bravo se mantém irredutível na defesa desta técnica trompe l'oeil capilar e não se importa de assim aparecer em público, na TV e nos jornais, não me venham cá com AMI's nem com Médicos Sem Fronteiras mas coragem para mim é isto. Tudo o resto é panascaria.

- Urge ainda apontar que nesta foto de AJ não se vê o branco dos olhos. Todo o seu globo ocular aparece preenchido de um negro baço, como os olhos dos tubarões. E é por isso que, se eu fosse Madeirense, nenhum outro candidato me pareceria mais afável e digno de confiança.


Posto isto, não descansei até encontrar um boletim desta campanha com as propostas para o novo mandato. Boletim esse que, e com sacrifício pessoal, resgatei de uma pilha de caca de pombo. Tudo pela liberdade de informação, meus caros. Tudo pela liberdade de informação.

Aquilo que li e que estou prestes a partilhar foi alarmante e esclarecedor.

Antes eu tinha a impressão que AJ era uma espécie de tio bêbado que aparecia nas reuniões de família a gritar obscenidades às quais ninguém dava muita importância entre os olhares cruzados de desconforto. No final, alguém lhe passava uma nota de cinquenta euros para ir comprar mais vinho, ele ia à vida dele e as pessoas normais continuavam a conviver. Dantes eu pensava isto. Depois de ler o boletim, acho que tenho a certeza.

Mas antes de me ir embora e regressar às férias, gostava de aqui vos deixar um cheirinho... Assim só p'ra não dizerem que guardo tudo para mim. Ora então cá vai...


MANIFESTO DO PSD AO POVO DE FUNCHAL (Ui um manifesto... Isto promete. "Morra o Cont'nente morra, Pim!" Capaz de ser mais ou menos isto que nos espera)

AOS MADEIRENSES E PORTOSSANTENSES:

O Povo Madeirense vai eleger o Governo que terá de aguentar o período mais duro desde que a Democracia e a Autonomia Política nasceram com a Constituição de 1976. (Boa, estão a falar de Constituição... Dados os acontecimentos recentes e o avacalhar da mesma, tem de ser bom!)

Os Madeirenses e os Portossantenses vão eleger o Governo Regional que terá de Os conduzir e defender o melhor possível, face à situação gravíssima que os socialistas criaram (O BANDIDO DO SÓCRAS!), que provocou Portugal ficar sob mando estrangeiro (O MALDITO INVASOR!) e, se quiser comer (Quem? Portugal?), ter de aplicar a política que nos foi imposta pela vergonhosa tutela internacional a que chegámos (Como se atreve o FMI a impor políticas?? Não temos cá quem o faça tão bem? Alguém da Madeira, por exemplo...)

Um Governo Regional que terá de demonstrar capacidade para conduzir o arquipélago nas dificílimas situações que, por caírem sobre Portugal, infelizmente caiem também sobre os Madeirenses e os Portossantenses, embora tal não seja justo em relação a um povo que sempre discordou do que se passava, que foi sempre oposição ao próprio sistema político, que sempre alertou Lisboa para os erros desta (Infelizmente o sotaque Madeirense é cerrado e Lisboa não percebeu... De qualquer maneira, o tal "povo", chamemos assim ao governo de AJ, acabou por perder alguma legitimidade no assunto "poupança" quando apresentou um buraco do tamanho da defesa do Sporting).

Portanto, o que agora está em jogo para os Madeirenses e os Portossanteneses (Ok, é preciso estar sempre a repetir o mesmo???), é escolher um Presidente de um Governo Regional que, com o novo Executivo que formar, dê garantias de hábil e inteligentemente enfrentar a situação complicadíssima em que os socialistas nos mergulharam. (MAS QUEM, MEU DEUS?! Se ao menos houvesse um indivíduo grosseiro que só sabe falar a berrar e usar técnicas de inimigo público e de mania da perseguição a la regimes ditatoriais da primeira metade do século XX... MAS ONDE ENCONTRAR TAL PERSONALIDADE?!)

(...)

Depois seguem-se parágrafos intermináveis, praticamente todos eles a dizerem o mesmo, estilo aquelas gravações em loop do filme 1984, a fomentar o ódio pelos socialistas e a glorificar a obra feita pelo actual Governo Regional. Glorificação essa que chega ao ponto de dizer que:

Seria uma covardia, Alberto João Jardim recuar ou desistir no presente quadro. Sabe ao que se arrisca, dadas as dificuldades que vamos ter pela frente, risco de saúde inclusive, quando era mais fácil abandonar ante o que aí vem, levando consigo os sucessos e transformações que conseguiu. (Portanto, estamos na iminência de coroar aqui um mártir. A avaliar por estas palavras pouco falta para AJ vestir um colete de bombas e atirar-se heroicamente para a entrada do buraco orçamental, esperando que a consequente queda de rochas o tape para sempre. Pode ser fantasioso mas não condenem um homem por sonhar acordado...).

Segue-se mais conversa em como os socialistas ficaram a dever dinheiro à Madeira e/ou inclusivamente a roubaram e depois aquele que considero o parágrafo-rei deste maravilhoso boletim. Desde já aviso que é sublime. Ora então cá vai:

Depois de trinta e três anos, a Oposição está desesperada. Não captou pessoas com um mínimo de qualidade, alinhou contra o próprio Povo Madeirense, opôs-se sempre a tudo quanto era progresso, praticou um permanente bota-abaixo, não tem alternativas, só fascina os desordeiros, bêbados, drogados e vadios que infelizmente existem em diversas localidades.

...

Portanto...

Está aqui identificada a Oposição na Madeira.

Isto para que não restem dúvidas.

...

Não sei quanto a vocês mas eu leio isto e parece que ouço Chopin ao longe... De tão lírico e filosófico que é. E ao mesmo tempo também associo aos primórdios da minha infância, não sei se me faço entender. "Quem não gosta de mim é parvo", é comum ouvirmos no Jardim Escola. "Quem não gosta de nós é bêbado ou drogado!", parece que se ouve muito na Madeira. Mainada!

Bom, mais argumentação incendiária até ao fim e, a fechar a peça, 90% do boletim consiste de uma lista das chamadas INAUGURAÇÕES REALIZADAS NO CONCELHO DO FUNCHAL. Um verdadeiro "festival da tesoura".

Aqui encontramos um compêndio infindável com obras tão relevantes como a Creche de Santa Maria Maior, o Lar de Abrigo de Nossa Senhora de Fátima ou a Unidade de Hemodiálise do Hospital do Funchal e outras com consideravelmente menos relevo e até algum nível de suspeita como o Ginásio Big Body Gym, a Padaria Mariazinha II, o Crédito Predial Português (que não existe vai p'ra mais de dez anos) e a Discoteca Vespas. Se calhar não era suposto eu ler isto tudo até ao fim mas, que raio, tinha tempo e li.

E pronto, não vos chateio mais. Se calhar têm a sopa ao lume e de certeza muito mais que fazer.

Cheguei ontem da Madeira e ainda vou ter mais uma semana de férias por isso é possível que o meu período de descanso ainda me dê mais material para fazer pouco...

Eu perco-me para aqui a falar do AJ e de tudo e mais alguma coisa mas a verdade é que não sou nada melhor do que ele. Quando era miúdo roubei uns autocolantes das Tartarugas Ninja a um colega de escola e culpei um outro que usava óculos e tinha asma. Ele levou nos cornos e eu fiquei a ver, com um sorriso na cara. Portanto, em matéria de sem vergonhice não é qualquer um que me dá lições...

Mas entretanto, se viverem no Arquipélago, votem em consciência.
Se, por outro lado, viverem no Continente, rezem para que os outros o façam e a seguir tentem manter o emprego porque são os subsídios de Natal de todos que vão ajudar a pagar o tal buraco. No fundo, acaba por ser menos uma Wii ou um Castelo dos Gormiti que o mimado do vosso puto recebe. E ainda bem porque sem essa importante lição de vida quem sabe se não acabaria por tornar-se num adulto egocêntrico, em alguém com a mania das grandezas ou até, quem sabe...

... no Presidente de um Governo Regional.

1 comment:

Led said...

Acho que a abertura do Tannhäuser era mais apropriada à leitura do panfleto. Ora comprova lá:
http://youtu.be/fgpOctKSwp4

Am I right or am I right? :P