Sunday, March 27, 2011

Escolhas da treta

A vida é feita de escolhas, lá diz o cliché.
Atenção que não estou a referir-me a um indivíduo francês com esse nome, mas sim ao lugar comum, a um conceito batidíssimo que se faz repetir há anos e anos.

Mas a vida é, de facto, feita de escolhas.
E eu, com impressionante recorrência, escolho mal.

Não digo sempre, há alturas em que acerto como no dia em que escolhi a mulher com quem partilho a vida ou no momento em que achei que era rabichola ter demasiado cabelo e optei pela calvície. Em ambas as situações, considero que movi a peça certa do xadrez.

No entanto, não consigo lembrar-me do número absurdo de vezes que, tendo perante mim um quadro de 50/50, optei pelo resultado que se revelou mais catastrófico. Exemplos concretos, existem e muitos. Mas eu prefiro relatar os dois que estão mais fresquinhos...

Quanto ao primeiro, estava eu a ver TV no sossego do meu lar...
Ok, esqueçam esta última parte porque no meu lar raramente há disso. A ideia mais realista que tenho de sossego entre quatro paredes é quando a gata está tão exausta de me f***r o juízo que jaz inerte, de patas voltadas e olhos abertos, ofegante como uma bomba de tirar água, a recuperar o fôlego antes de me voltar a azucrinar o juízo até ao limiar da insanidade. São esses quinze minutos diários aqueles que compõem a minha ideia de... sossego.

Mas pronto, num desses deliciosos intervalos vi um anúncio que promovia a nova cerveja Sagres Preta com sabor a chocolate.

Que imensa idiotice, pensei eu.

Que brutal atrocidade, reflecti.

QUE BESTIAL MARAVILHA QUE TENHO DE SABOREAR O QUANTO ANTES, concluí!!!

Pois é, na verdade eu sou como as avestruzes. Adoro coisas brilhantes e raras são as vezes que não vou lá meter o bico. Além disso, há quem diga que entre mim e os apalermados passarocos, o cérebrozinho é de tamanho idêntico. E às pessoas que dizem isso está prometida uma bicada nos cornos.

Adiante...
Depois do momento divino em que visualizei a publicidade à cerveja, contaram-se pelos dedos de uma mão os segundos que demorei a sorver às goladas o misterioso néctar.

Foi logo na próxima sessão de compras semanal com a minha mulher, já estávamos nós na caixa a meter as mercearias nos sacos quando me lembrei do importante item em falta e dei uma corrida até aos escaparates das cervejas. Surgi com um pack de seis, sorridente e feliz da vida. Disse que não podia esperar muito mais para provar o tesourinho.

"Olhe que pode levar só uma garrafa... Se é só para provar...", disse a senhora da caixa, deixando fluir a voz da experiência.

" Não senhora, que depois aproveito e partilho com amigos...", disse eu, confiante da minha escolha.

...

Experimentei.

E sou agora capaz de declarar...

... com toda a legitimidade e conhecimento de causa...

... que é talvez a MIXÓRDIA MAIS MAL SABOROSA QUE JÁ ALGUMA VEZ ME PASSOU PELA TRAQUEIA!!!

...

Atenção que eu não posso comprovar em absoluto a seguinte comparação.
Mas o sabor desta beberragem será apenas comparável ao da URINA INFECTADA DE UM ALCOÓLICO DIABÉTICO!

Tem álcool... Tem um travo a cerveja... É doce... Tem um travo a chocolate... É horrível... Tem um travo a fezes...

E agora tenho aqui mais cinco garrafas destas no frigorífico sem que ninguém no seu perfeito juízo lhes queira pegar! Não vou oferecer isto a amigo nenhum porque seria o equivalente a oferecer-lhe o quisto lancetado de um morcego: é fedorento e não serve para nada. Mas, ao mesmo tempo, esta porcaria custou dinheiro e custa-me enfiá-la assim no lixo sem mais nem menos...

Enfim, cruel dilema.

Mas não tão cruel como o jantar de ontem.

Ok, agora as pessoas mais maldosas dirão "este agora pensa que, depois do que aconteceu com o Barra do Quanza, basta vir falar de restaurantes p'ró blogue para que tudo se resolva de maneira airosa e receba convites simpáticos para jantar à pala"...

Pessoas maldosas, atentem nas minhas palavras:

EU NÃO VOLTO A ESTE RESTAURANTE NEM QUE ME SIRVAM SUSHI ENROLADO EM NOTAS DE QUINHENTOS, COM A JESSICA ALBA A MASSAJAR-ME OS PÉS COM ÓLEO JOHNSON E A CHAMAR-ME "COMANDANTE", OK?!

Nem pó!

Passou-se o seguinte: ontem, depois de um evento, fui jantar com amigos. Como éramos muitos, e estávamos na zona da Avenida da Liberdade, sugeri que fossemos ao restaurante Indian Palace no Largo do Carmo. Não que o restaurante seja nada por aí além mas era o único que estava a ver acolher um grupo tão grande assim sem marcação prévia. Portanto, fiz a minha escolha e transmiti-a aos meus camaradas, colocando assim a cabeça no cadafalso.

Lá fomos e lá entrámos. E o início até nem fazia augurar nada de muito mau... apenas dez minutos até que nos sentassem. A malta ria e partilhava, bem disposta, que já tinha apetite. A malta desconhecia aquilo para que estava guardada.

As ementas demoraram mais de meia hora a vir. À terceira vez que perguntei por elas, disse-me o indivíduo que "estavam ocupadas". Aí, eu acalmei e percebi tudo. Para quem não sabe, ser ementa não é para todos, é uma ocupação exigente. Uma vez estive junto a uma ementa durante quinze minutos e não imaginam o número de telefonemas e de mails que ela recebeu, isto enquanto fazia a contabilidade de um sujeito de Odivelas e elaborava o programa de um grupo excursionista da Amora. Portanto, constata-se por este exemplo que "ementas ocupadas" é o que p'raí mais há.

Depois de três imperiais no bucho e de parte dos sorrisos já ter abandonado as faces da malta... lá vieram meia dúzia de ementas todas ao mesmo tempo. Isto enquanto os empregados corriam literalmente para a frente e para trás como se fosse hora de ponta em Bombaim ou o final de um filme de Bollywood. Eu já não sabia se havia de escolher o jantar ou de aplaudir o espectáculo.

Mas, enfim... Escolhemos, pedimos e...

... esperámos até perto da MEIA NOITE para começar a comer.

...

Meia noite.

Das duas uma: ou o serviço é mau ou esperaram que fosse nove da noite na Índia para servir a nossa refeição. De qualquer das formas, foi importante para nós comermos ao mesmo tempo de um qualquer estofador chamado Sangita... Depois ficámos foi com jet lag.

Outra das razões do atraso devia ser o método de lavagem da loiça, porque pelo estado encardido dos pratos sou forçado a acreditar que os mesmo foram lavados no Ganges. Por isso, isto de andar sempre com sacas cheias de loiça para os aviões, p'raqui e p'rali, deve levar o seu tempo... Enfim, ca nojo.

Já a mastigar, por entre uma garfada ou outra, ainda tivemos de lutar com um tipo que queria à força vender-nos uns óculos de plástico roxo que davam luzes das hastes. Não foi tarefa fácil.
Sedentos de alimento e dada a ausência de colheres, todos raspávamos sôfregamente com os garfos as pequenas malgas de molhenga que constituía o nosso jantar.

Todos? Não.

Um dos nossos amigos resistia ainda e sempre ao invasor... Ou seja, o prato dele demorou extra-tempo a chegar e quando chegou veio com outro nome e com outros ingredientes completamente diferentes do pedido original. Marchou, tal era a fome. Mas só marchou metade porque a cena tinha mais picante do que a Cicciolina quando se orientou com o cavalo... Apenas deu para enganar a larica.

No final, como se a minha escolha de restaurante não tivesse sido já suficientemente negra ainda houve improviso e discussão porque o tal prato que não veio diziam os indianos que veio e o que veio, e que quase rebentara as gengivas do nosso amigo à base de piri-piri, ao que parece também continha borrego e era caro como cornos.

Ainda tivemos de ver o indiano apontar para o nosso amigo e gritar "BORREGO!" em plenos pulmões como se nós estivessemos a negar que ele o tivesse comido... Um insulto que poderia muito bem ter dado início a um verdadeiro conflito "a la Martim Moniz".

Apenas quando uns de nós começaram a perder a cabeça e ameaçaram pedir o livro de reclamações os ânimos serenaram e foi tudo para casa com fome mas sem ter sido demasiado roubado...

...

Enfim, "cerveja preta com chocolate" e "Indian Palace"... Duas escolhas erradas que podiam muito bem servir-me de lição mas que, sei bem, serão apenas mais duas achas para a lareira na qual arderei eternamente.

By the way, diz que dou uma bonita chama.

E que com um cházinho e uma mantinha nos joelhos, proporciono momentos muito zen.

Valha-nos isso.

14 comments:

Peres said...

"By the way, diz que dou uma bonita chama"...Ahahahha :D

Peres said...

"By the way, diz que dou uma bonita chama"...Ahahahh :D

Unknown said...

Ainda por cima tinham o sanitario AVERIADO... sim, "Averiado", não sei o que é isso mas é o que estava no letreiro, deve ser lá coisas deles.....

Unknown said...

Ainda por cima tinham o sanitario AVERIADO... sim, "Averiado", não sei o que é isso mas é o que estava no letreiro, deve ser lá coisas deles.....

Unknown said...

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Manuel Alves said...

Suponho, então, que a graça divina esteve comigo por não ter ido jantar com o pessoal depois do evento. ahah (sem maldade... muita)

André Oliveira said...

Eu acho que havia ali muito mais coisas "averiadas" do que uma simples wc...

André Oliveira said...

Manuel, you did it again... A tua escolha foi correcta. Agora é ver se para a semana repetes o golpe de sorte no Porto... ehehehe Quanto a mim já sei que para onde fôr levo as más vibrações! :D

Manuel Alves said...

Desta vez, a minha sorte foi estar acompanhado e ter outros planos. Não sei se o universo será tão gentil comigo ao ponto de repetir as mesmas circunstâncias no Porto (tenho de consultar o meu horóscopo... ahah).

João Figueiredo said...

ò André...eu sou de Odivelas...e nunca nenhuma ementa me fez a contabilidade. Arranjas o número dela, para me tratar do IRS?
Eu por acaso já jantei nesse restaurante duas vezes, uma delas chegando em cima das 23H30 e fui bem atendido...não tinha essa ideia deles. Enfim, também uma vez no Algarve fui a um que era muito bom e que no ano seguinte era valentemente mau.

Led said...

Ficaste com "jet leg"?! Então, e qual foi a sensação?
X-D

André Oliveira said...

Foi de absorção.

André Oliveira said...

E não é "jet leg" que se escreve, Joaninha... É "jet lag"! Mas eu tenho de explicar tudo?! :D

André Oliveira said...

Hey João, se calhar então o gajo de Odivelas eras tu! Vê lá se entregas os recibos todos e deixas a malta comer, pá! eheh