Wednesday, February 16, 2011

Enfim, uma pitada de jindungo

A vida tem coisas curiosas.

Não, não estou a referir-me aos indivíduos que costumam estar atrás das dunas a topar as gajas na praia. Falo dos pequenos pormenores que fazem a diferença no dia-a-dia e que dão um toque de especiarias à vivência de um tipo. Sei que há malta que não gosta particularmente de especiarias, longe de mim estar a querer comparar a existência a caril, mas para contar o que aconteceu penso que se adequa a imagem gastronómica.

Ora, quem lê este blogue sabe que para mim "Dia dos Namorados" e "Desastre" são dois conceitos muito amigos. Tal como relatei em Fevereiro do ano passado neste post, eu quis levar a minha mulher a jantar fora, ao restaurante Barra do Quanza em Belém, e no meio da ventania, do frio glaciar e da cascata incessante de água a embater-me na tromba, fui incapaz de encontrar o sítio e acabei a fungar e a comer pizza em casa. A sorte é que na altura tinha uma garrafa de tinto disponível e ao fim de três copos cheios parecia que não havia problema nenhum e que aquilo era um programa romântico como qualquer outro.

Passado praticamente um ano, e sendo que por causa deste episódio a minha mulher só voltou a dirigir-me a palavra há três meses, grande foi a minha surpresa quando recebi um comentário neste blog em nome do tal restaurante.

Rezava o seguinte:

"Caro Amigo, tomámos conhecimento da sua odisseia de 14 de Fevereiro de 2010 e decidimos que o mínimo que podíamos fazer era convidá-lo para uma “segunda tentativa”, esta por nossa conta (desta vez coroada de êxito, esperamos) e por isso tomámos a liberdade de desde já reservar uma mesa para duas pessoas para o próximo Dia dos Namorados, esperando que aceite o nosso convite o que muito nos honraria, um abraço, José Reis."

...

Confesso que inicialmente me cheirou a moscambilha. E bem feita, por sinal.
Da mesma maneira que, há uns tempos atrás, os meus colegas se entreteram a ir à minha página de Facebook e declarar-me fã de artistas tão exóticos como Justin Bieber, Adam Lambert ou Tokyo Hotel, a minha reacção imediata foi de achar que outro qualquer terrorista estava decidido a fazer-me passar por novo "massacre de São Valentim".

Já irado e prestes a fechar o portátil com violência, decidi olhar segunda vez para o comentário e lê-lo com mais atenção. Inclusivamente reparar num post-scriptum que me indicava o número para o qual devia ligar caso aceitasse o convite. E eu assim fiz...

Senhora - Estou sim, restaurante Barra do Quanza.

Eu - Estou. Eheh (nervoso) estou a ligar porque... (gaguejo) colocaram um comentário no meu blogue... Eheheh (mais nervoso)

Senhora - ...

Eu - Por causa do Dia dos Namorados do ano passado... (a suar) É para dizer que aceito o convite e confirmo a reserva... (soluço)

Senhora - Com certeza, como se chama?

Eu - Eheheh (mais nervos) André Oliveira.

Senhora - Ah sim! O casal que não conseguiu encontrar o restaurante. Muito bem, está confirmado. Obrigado e até dia 14.

Eu - Obrigado, bom dia.

...

...

Portanto...

...

O CASAL QUE NÃO CONSEGUIU ENCONTRAR O RESTAURANTE!!!

...

Era assim que eu era conhecido.

E, custa-me dizê-lo, com toda a razão... De facto, foi exactamente isso que aconteceu.
Não o casal, mas eu. EU não consegui encontrar o restaurante! Perdi-me em Lisboa, afinal de contas apenas a cidade em que vivi toda a minha vida, e condenei a minha cara-metade a um serão espartano e a uma gripe de duas semanas. Isto era o tipo de pessoa que eu era... Mas agora algo de surpreendente tinha acontecido e era-me dada a oportunidade de fazer as pazes com o universo e corrigir o erro cometido há um ano atrás. Era então altura de assumir que, a menos que um qualquer inimigo meu, talvez o urso cujo passatempo favorito é riscar-me o carro, se tivesse dado ao trabalho de criar uma conta no blogger com o nome do restaurante, clonar o número de telefone e imitar com perfeição a voz de uma senhora para me atender, afinal o convite sempre era verdadeiro. Portanto, uma boa notícia, uma especiaria perfumada no refogado do meu dia, e uma irrecusável chance de redenção.

Esperei pelo dia 14 como uma criança pequena espera pelo Natal.
Ou como o Padre Frederico espera pelo toque de saída de uma escola primária.
Enfim, com excitação e gulodice.

E quando ele chegou vinha com o carimbo de qualidade do dia homónimo do ano passado: escuro e com um temporal a cavalo. Maravilha, pensei eu. Os fantasmas do passado voltavam para me assombrar. Mas eu não conseguiria continuar a viver se não os exorcizasse de vez. E isso por uma variedade de razões:

1.
Eu próprio levaria o carro dispensando assim um qualquer seboso com carteira de taxista. Portanto, EU seria o meu próprio seboso! Bem sei que à partida e para quem conhece a minha condução, este item mais parece um ponto contra do que a favor. No entanto, e até ver, o carro sempre podia tornar-se num sólido abrigo em plena intempérie, caso alguma coisa corresse mal. E o risco, convém dizê-lo, era elevado.

2.
Desta vez, contaria com a ajuda do GPS. Sim, mais um objecto com uma eficácia questionável quando falamos da minha pessoa. Afinal de contas, e para quem se lembra, também no ano de 2010 sucedeu isto. Por outro lado, convém referir que eu até me entendo com a vil maquineta quando tenho um co-piloto ao meu lado. Preciso de alguém para operar o GPS e para filtrar as indicações que ele me dá. Quando isso acontece, a nossa relação já corre menos mal. Mas ainda assim longe de correr bem...

3.
Pedi à minha mulher para ir ao Google Maps e imprimir o percurso que vai do trabalho dela em Santos até ao restaurante. Eu iria lá buscá-la e seguiríamos a partir dali. O percurso impresso seria a "cereja no topo do bolo" e a garantia que nada, mas mesmo NADA, poderia falhar desta vez.


Vai daí, mal saí do trabalho a missão começou logo mal.

Parei na bomba para pôr gasolina e constatei imediatamente que a ventania conduzia a chuva de modo a que esta se me emplastrasse com violência na cabeça e nas costas. Dizem que a natureza é sábia mas comigo é sempre uma besta. São feitios...

Eu que até tinha tido o cuidado de vestir uma roupinha melhor, estava agora encharcado mesmo antes sequer de me pôr à procura do que quer que fosse... É o que se chama abrir com chave d'ouro. Sim, sentia o frio a entranhar-se-me nos ossos... Mas havia alguma maneira de eu ter a mangueira a espichar gasolina sem me submeter àquele flagelo? Não, pois não?

Ensopado que nem um pinto lá me enfiei na viatura e pus-me a caminho para ir buscar a minha mulher. Mulher essa que, quando cheguei, também me esperava, ensopada, à porta do emprego. "Isto está a correr tão bem...", pensei eu. E estava.

Depois, confesso que tremi. Uma primeira tentativa frustrada de dar com a rua do local fez-me duvidar de que toda aquela panóplia resultasse. Pior que isso, fez-me reviver todo o drama do ano passado e a eventualidade de um possível divórcio. Uma mulher, por muito paciente que seja, tem limites, e eu insisto em abusar deles todos!

Voltei para trás e tentei fazer o percurso pela segunda vez. Recapitulemos: a ideia era ir de Santos para Belém, mas do lado do rio. E foi quando dei por mim e estava a caminho de Campo de Ourique que disse para o lado:

- Sabes, às tantas nós não merecemos que nos convidem para jantar nenhum... A sério, a verdade, por muito que nos custe, é que somos estúpidos. - ainda mais perto de Campo de Ourique. - Estúpidos que dá dó! Às tantas não merecemos sequer jantar hoje...

Eu disse-lhe isto sem que ela comentasse. E ela fez-me um verdadeiro favor em abster-se, acreditem. Bem sei que se o não o tivesse feito, o chorrilho de palavrões seria tal que nem o "Dicionário Universal Jorge Jesus" lhe faria frente. Calou-se e isso de certa forma ofendeu-me. De tal maneira, que gerou em mim uma reacção intempestiva...

Enchi o peito de ar. Reprogramei a porra do GPS. Chamei a mim a ajuda divina de Santo Onofre e das ceroulas da velha do cabelo roxo e persegui o meu destino como se a minha vida dependesse disso. E pelo olhar raiado de sangue da minha mulher, vai-se a ver e até dependia...

Lá dei com o Barra do Quanza.

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(Obrigado)

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(Pronto, já chega)

...

Caso hajam para aí mais totós como eu, convém dizer que o restaurante tem um recém-criado site que esclarece todas as dúvidas acerca da sua localização. Agora sim!

O restaurante serve um misto de comida brasileira e africana e, tal como eu suspeitava, é muito bom. Não só pelos sabores mas também por estar onde está, apesar de ter sido precisamente isso que me impediu de o conhecer mais cedo. Mas além da comida e do sítio, recomendo o Barra do Quanza também pela "boa onda" que demonstraram relativamente ao meu texto e pela simpatia com que me receberam. Não tive a oportunidade de cumprimentar o José Reis que teve a amabilidade de colocar o comentário aqui no blogue mas pude dar um "bacalhau" ao Carlos Moral, chefe cozinheiro, e de lhe dizer que estava tudo uma delícia. E não é por não ter pago, atenção. Posso não saber cozinhar mas sei devorar como poucos. E quem me conhece sabe bem que é verdade.

Pretendo lá voltar com amigos, agora que já sei onde fica, e desta vez para fazer despesa, claro. Porque uma boa "casa", um produto de qualidade e um espírito positivo é o melhor marketing que se pode fazer. Sem pretenciosismos nem caganças. Para mim, é assim um bom restaurante.

E já agora acabo este post com algo que me aconteceu há uns dias e que constitui, por si só, a antítese disto mesmo...

Fui a um outro restaurante ver o Benfica espetar dois ao Porto para a Taça de Portugal. Até aqui tudo jóia. Na ementa vi um prato chamado "Arroz de Lombinhos de Caranguejo do Alasca". Pensei para comigo "Quem é o anormal que vai pedir uma coisa destas...?". Sorri de troça. Veio o empregado. Pedi esse mesmo prato e uma imperial. E o que veio para a mesa foi arroz de marisco ordinário e insosso. Tal qual. Nem lombinhos, nem caranguejo e, escusado será dizer, nem Alasca. Assim, não me admirou que o empregado passasse o resto do serão a perguntar se eu queria mais cerveja. Pudera. Não fosse estar toldado pelo álcool e tinha-lhe enfiado um dos camarões ressequidos onde o sol não brilha...

4 comments:

Peres said...

Ahaha que saga do caraças! Mas já viste até onde chega o teu blog? :D Uau, muito fixe!!! Abraço!

ana oliveira said...

Se alguém entrar na minha sala de trabalho, e me vir feita parva à gargalhada em frente ao ecran, ISSO É ANDRÉ !

hahahahahahah....

André Oliveira said...

Hey Mike. É verdade... Isto está completamente fora de controlo. :D

André Oliveira said...

É um bom slogan, mãe. Obrigado. eheh