Sunday, December 5, 2010

A Sardanisca do Inferno (e outras questões muito relevantes)

Eu espero sinceramente que o mundo não acabe em 2012.

...

Digo isto não porque nutra qualquer apreço pela Humanidade mas porque, depois do período terrível de mudanças e de pré-obras em que me encontro, ver o mundo acabar pouco tempo depois seria uma tremenda desilusão. O mínimo que poderiam fazer quando isto amainasse era garantir paz no mundo, a retoma económica deste país e consequente pontapé no cu ao Sócrates e aos restantes (que só querem é poleiro), um bom poleiro para mim e o título de campeão nacional para o Benfica. Julgo que não é pedir muito depois da trabalheira que isto está a dar.

Esvaziar a casa de Benfica revelou-se um verdadeiro pesadelo.
Primeiro, empacotou-se a titânica quantidade de tralha que só eu e certos roedores da América Central conseguimos acumular. Depois, encheram-se as divisões e o corredor com estas mesmas caixas, criando um elaborado labirinto no qual a minha gata fez questão de desaparecer durante dias a fio. Na dúvida se estaria viva ou morta, dei por mim a atirar punhados de granulado para o monte de caixotins, na esperança que ela desse com o alimento e conseguisse aguentar-se por mais algumas horas. Enfim, um autêntico pardieiro.

É possível que o bovino do vizinho da seita anti-ruído tenha dado forte e feio com a cornamenta na parede, queixando-se das arrumações, mas a verdade é que nem dei por isso. Estava quase literalmente afogado em mobílias desmontadas, caixas empilhadas e muito mas muito cotão.

Entretanto as mudanças fizeram-se... nunca mais volto à casa de Benfica!
Vou até mais longe e digo que a única coisa que me vai fazer regressar àquela zona vai ser o fantástico restaurante de sushi que se houvesse justiça no mundo tinha a minha fotografia em grande na parede. É que nos últimos dois anos e meio sinto que peguei naquilo que era um reles boteco de peixe crú e transformei num dos mais requisitados "spots" no que diz respeito a cozinha japonesa. Aquilo agora está sempre cheio! E a maioria dos clientes fui eu que lá levei. Podia ficar ofendido com a falta de reconhecimento e deixar de lá ir. Mas como sempre fui mais guloso do que orgulhoso, continuo a encher a pança à base de salmãozinho que é uma beleza.

Anyway...

Um dia antes de abandonar definitivamente o santuário silencioso da Rua da Venezuela, guardado pelo cruel minotauro com penteado "à f*****e" que mora na casa ao lado, aconteceu um episódio curioso. Depois de ter estado praticamente um ano sem intercomunicador, coisa que o senhorio fazia gala em não mandar arranjar e que suscitou um espectacular abaixo assinado de todos os meus vizinhos, uma semana antes de me ir embora o bicho estava como novo.

"Está giro." - pensei eu.

Depois de meses e meses a ter de descer as escadas para abrir a porta do prédio às minhas visitas, coisa muito fashion e que se vê muito no estrangeiro nomeadamente no terceiro mundo, depois disso tudo o problema estava agora solucionado.

Na última noite passada no "cenário de guerra", eu e a minha mulher, aproveitando o desaparecimento da comida, dos utensílios de cozinha, dos nossos animais de estimação perdidos entre os escombros, e até da pachorra para cozinhar, decidimos mandar vir uma pizza.

TRRRRRRRRIMMMMMM!!! - ela chegou.

A minha mulher caminhou confiante em direcção ao intercomunicador que já se encontrava operacional.

Sorriso tranquilo no rosto.

Carregou no botão satisfeita de poder gozar o luxo que é não ter de descer em pijama para abrir a porta do prédio ao homem das pizzas. Ao frio.

O botão funcionou e a porta abriu-se.

ZZZZZZAAAAAAAAPPPPPPPPPP (para quem não sabe é o som tradicional do interruptor das portas).

Som esse que devia começar e acabar em poucos segundos não devia?

Pois devia.

Mas este começou e não acabou.

O barulho manteve-se sem parar. E era mais do que óbvio que após um ano com aquilo estragado a família saguim preparava-se para uma última gracinha...

O zunido soava a bom soar, sem interrupção. Talvez o botão estivesse colado...

Desmontei o intercomunicador. Constatei que não percebia nada de electrónica. Voltei a montar o aparelho.

E a barulheira infernal na escada...
A acusar-nos violentamente de termos feito m***a! Mas na realidade tudo o que a minha mulher fez foi carregar num botão. E tudo o que eu fiz foi abrir a boca e esperar que nela viesse aterrar uma fatia de pizza.

Deixámo-nos estar no sossego do nosso lar em pedaços. A saborear a nossa refeição.

Isto enquanto no hall do prédio soava uma chinfrineira equivalente ao recolher obrigatório num Gulag.

A dada altura, ouviu-se barulho lá em baixo. Algumas pancadas. E tudo ficou silencioso.

Convenci-me rapidamente que o vizinho do lado tinha resolvido o problema com os cornos. E, como tal, deixei-me ficar, mais confortável com a minha consciência.

No dia seguinte, em plena lufa-lufa das mudanças, a vizinha da frente cumprimentou-nos, a mim e à minha mulher, com um sorriso. Coisa nunca vista. Para uns, tal gesto poderia significar cortesia mas para mim tudo não passava da vontade cada vez mais consumada de nos ver pelas costas.

"Já viram o que aqui fizeram ontem?", perguntou ela. "Não, não.", respondemos nós. "Alguém carregou no intercomunicador e aquilo ficou a fazer barulho uma data de tempo...", disse ela. "Ah, sim?", perguntámos nós. "Sim.", respondeu ela. "E depois houve alguém que cortou aqui os fios da porta e por isso estamos sem intercomunicador outra vez.", acrescentou ela. "Parece impossível...", dissemos nós. "É um prédio de selvagens, sabe?", criticou ela. "Por isso é que nos vamos embora.", concluímos nós.

No final da conversa, a ex-vizinha ainda disse que tinha pena que saíssemos dali. Que nos achava um casal muito simpático. Observação curiosa, dado que ao longo deste tempo nos fartou de lançar grunhidos e olhares de carneiro mal morto. Mas de qualquer forma soube bem abandonar o prédio com um elogio. Isso e deixá-lo definitivamente entregue aos selvagens.

Vai daí, dois terços das coisas foram para a casa nova que ainda aguarda as obras.
E o terço final veio connosco para uma casa pertencente à minha família, em Paço d'Arcos.

Embora não esteja cá ninguém a morar, a casa mantém-se habitável e pronta para qualquer necessidade. E dado que se não viesse morar agora para aqui ou ficava a dormir em cima de pilhas de ladrilho na nova residência ou montava uma tenda debaixo do viaduto Duarte Pacheco... podemos dizer que é mesmo necessário. Isto embora seja uma solução temporária.

Na primeira noite aqui, e depois da má experiência com as pizzas ainda em Benfica, que para além de terem arruinado com o intercomunicador também arruinaram com o meu sistema digestivo pelos simples facto de "saberem mal como tudo", decidimos fazer hambúrgueres de atum.

Ao verificar que os mesmos estavam a libertar algum fumo, lembrei-me de ligar o extractor que se encontrava por cima do fogão.

RRRRRRRÁ - soou o velho aparelho enquanto cuspia um estranho projéctil contra a minha mão.

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Pausa para compreender o que se tinha passado.

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Nova pausa para dirigir o olhar para o tal projéctil arremessado pelo extractor.

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Tempo agora de gritar como uma menina e sentir-me horrorizado com o sucedido.

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O que tinha sido arremessado contra a minha mão, era nada mais nada menos do que...

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... O CADÁVER RESSEQUIDO E DISFORME DE UMA SARDANISCA!!!

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Sim, leram bem.

Uma espécie de Tutankamon das osgas que, prevendo o fim cada vez mais próximo, decidiu largar o peido mestre entre as pás do extractor cá de casa.
Após ter-me tocado na mão, repousava a escassos centímetros daquele que iria ser o meu jantar.

Com a ajuda de folhas de papel e à maior distância que o corpo humano consegue funcionar, lá coloquei o "freakshow" no lixo. E escusado será dizer que rezei a todos os santinhos para que a gata não fosse lá buscá-lo e vir colocar-mo de novo no colo. Isso ou aparecer-me durante a noite a roer o repugnante cadáver como se de um pretzel se tratasse.

Enfim, felizmente nenhuma destas visões aterrorizadoras se confirmou. A Sardanisca do Inferno até ver foi exorcizada e não se têm verificado problemas de maior.

Agora, até as obras na casa nova estarem prontas ainda temos muito que penar.
A Benfica desejo um futuro à sua medida, sem rancores, principalmente para aqueles que me chatearam ou me prejudicaram de alguma forma. Sem qualquer tipo de sentimentos negativos ou de prisões com o passado, lhes desejo do fundo do coração que lhes nasça um feto no cimo da cabeça e que não os deixe dormir durante a noite, cantando o repertório completo do Nelson Ned over and over again...

Quanto a Paço d'Arcos, infelizmente vai ter de levar comigo durante uns meses.
O que, sejamos francos, não é assim tão mau quanto isso.

Se formos a ver bem até há coisas piores...

E quase todas elas envolvem cadáveres secos de sardanisca.

6 comments:

Peres said...

Riso matinal quando li o teu post :D
Episódios espectaculares que te acontecem, ahahah. Essa da sardinha foi mesmo linda! Que aventuras enfrentarás em Paços d'Arcos? Não percamos o próximo episódio ^^

André Oliveira said...

Antes fosse uma sardinha, amigo... Era mesmo uma sardanisca! eheh Embora já há quem lhe chame salamandra.

Era um bicho nojento, pronto...

Ricardo said...

Lindo! Eu confesso que partilho do teu sentimento de grito de menina ao estar perante tal situação....

Ricardo Alexandre Batista said...

Boas amigo,
A situação da sardanisca é excelente, e para acontecer a alguém só a ti. E ainda bem porque assim temos o prazer de ler este texto.
No meio das aventuras na troca de casa o mais gostei foi a quela referência ao icone da comida japonesa. O grande NAGAZAKI, acho que é assim que se escreve. Mal posso esperar para lá irmos comer um salmãozinho.
Com este convite te deixo um grande abraço.

André Oliveira said...

Hey Ricardo. Podes ver as fotos da aberração no meu Facebook... eheheh

André Oliveira said...

Hey amigo. Sobre o Nagasaki vou ter de escrever um dia um texto especial. Wait for it. :D Ah sim e temos de lá ir o quanto antes. Abração.