Thursday, September 2, 2010

L'appareil est prêt a fonctionner

Não restam quaisquer dúvidas: tenho um poltergeist emplastrado no chão do escritório em minha casa.

Bom, não é propriamente só no chão. É mais na base duma mesinha de apoio, com gavetas, que tenho junto ao sítio onde geralmente me sento com o computador. E isso ainda intensifica mais a gravidade da coisa. Daquilo que sei de poltergeists, que felizmente é muito pouco, são tipos para fazerem traquinices daquelas sérias e eu tenho aqui guardada uma pilha de documentos importantes que detestaria ver queimados, rasgados ou decorados com falos pintados com sangue de galinha. Parece-me ser do género de coisas que eles fazem...

No fundo, e no meio desta história toda, quais são as minhas certezas?

1.
O poltergeist fala com alguma frequência. Mais até do que eu desejaria. É que normalmente quando estou no escritório estou a escrever e, a contrário dos bons escritores, faz-me muita confusão ouvir qualquer som quando estou a redigir qualquer coisa. Se eu nem sequer ligo o iTunes, imaginam com certeza a confusão que me faz ter p'raqui um poltergeist a palrar. Quebra-me logo a concentração!

2.
O poltergeist tem voz de mulher. Esta então não me surpreende nadinha e vocês sabem porquê...

3.
O poltergeist fala francês. E sendo que eu não falo, isso irrita-me profundamente. Até hoje ainda não foi ordinário comigo mas sabe Deus quando é que ele vai perder a compustura. Também, verdade seja dita, não lhe dei razões para tal. Não o tenho incomodado nada, não chamei exorcistas cá a casa nos últimos tempos, não o borrifei com água benta (até porque não a tenho, para usar a cá de casa teria de o fazer com água da EPAL e calculo que não tivesse o efeito desejado), não sintonizei o canal Canção Nova na TV, enfim... Tenho sido um santo para este poltergeist, diga-se.

4.
O poltergeist diz uma e uma só frase que é: "L'appareil est prêt a fonctionner".


Ao invés destas certezas me elucidarem de alguma forma, muito pelo contrário, enchem-me de dúvidas e de temores. A que "appareil" estará ele a referir-se? Será uma qualquer máquina demoníaca destinada a causar a morte e a destruição pelo mundo fora?... E ele, ao imaginar o início do cataclismo, esfrega as patinhas de cabra e diz, com um tom sinistro, que a geringonça está prestes a funcionar?!

É que se é assim julgo que até conheço a geringonça a que ele se refere. Aquela que tem em mim tais efeitos dá pelo nome de GPS e sim já quase me levou a enforcar-me numa figueira depois de uma série de enganos e trapalhadas. A dada altura parece que tudo está ligado.

No entanto, lamento desiludir-vos a todos fazendo esfumaçar-se esta teia de enganos e metáforas à qual eu próprio vos atraí. Não há nenhum poltergeist na base da mesinha de apoio do meu local de trabalho em casa. Eu sei que, assim a frio, a notícia pode ser chocante mas é esta a verdade.

Há é uma balança de casa de banho falante que, dada a falta de espaço deste albergue de gnomos que é a minha actual residência (desejoso de sair de Benfica!), teve de ser guardada debaixo da tal mesinha, pronta a entrar em acção sempre que alguém dela se lembrasse.

O problema é que ninguém se lembra... Mas ela insiste em impor a sua presença com uma constância alarmante. Volta e meia diz "L'appareil est prêt a fonctionner" como que querendo lembrar-nos que está a postos, que está presente, que pode e quer trabalhar.

Eu no entanto continuo a ignorá-la.

Há 11% de desempregados neste país e nenhum deles se enfia cá em casa a dizer-me em francês que quer trabalhar.

Como tal, ela que vá para a fila como toda a gente.

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