Friday, October 8, 2010

Era uma vez no México

Então diz que fui de férias para o México...

Há quem diga que voltei há poucos dias mas eu ainda não tenho a certeza. Isto de 6 horas para aqui, 6 horas para ali e mais o horror de tempo que duram as viagens bem pode significar que o verdadeiro Saguim ainda está perdido num qualquer limbo ou vazio temporal a perguntar ao Michael J. Fox o caminho para casa.

Agora pensando bem, e dada a minha épica falta de orientação, talvez fosse melhor não pedir ajuda ao Michael J. Fox. A última coisa que precisaria era de uma mão tremelicante a dar-me direcções. Para isso já me basta o maldito GPS.

Bom, regressado do México que conclusões há a tomar?


1)
O México não é nada do que dizem: não vi traficantes de droga nem tufões nem indivíduos a gritar "Ay Ay Ay". Nada disso.

2)
O México é perfeitamente seguro a qualquer hora do dia. Atravessei muitas estradas a pé, até durante a noite, e apenas fui abordado por um cavalheiro que se ofereceu para me conduzir gratuitamente até ao meu alojamento.

3)
No México a comida e a bebida são gratuitas e à descrição. E quando falo de comida e bebida não me refiro apenas a pão e água. Tacos, mojitos, pina coladas e margueritas eram à verdadeira vontade do freguês.

4)
No México há uma abismal quantidade de sujeitos de farda que nos tratam como se fossemos patrões.

5)
No México usamos uma pulseira verde que faz de nós patrões.


Portanto, um sonho de país. Regressado a Portugal, e informado que fui das recentes medidas do Governo às quais a minha educação e recém adoptada postura zen me impedem de comentar, tenho de admitir que será difícil encontrar melhor exemplo.

É pena que realmente se tenha de passar por tamanha odisseia para lá chegar. E quando falo em odisseia não me refiro apenas às já comentadas horas de viagem. Refiro-me a episódios em particular.

Pode ser para muitos um choque mas... eu viajo em turística.

Não que não pudesse efectivamente viajar em executiva, evitando assim a ralé e as doenças, mas prefiro não fazê-lo para dar menos nas vistas. E também para poder comer até ao fim do ano. Parecendo que não, faz diferença.

Seja como for, e por muito que passe pela experiência, tenho algum medo de voar.

Porquê? Pergunta estúpida. Mas ok.

Porque a ideia de me espetar a milhares de metros de altura e depois ter o que resta do meu corpo a ser reconhecido por um tipo que por acaso tinha em arquivo o molde dos meus dentes assusta-me um bocado. Provavelmente é mariquice mas ninguém é de ferro.

Ora, eu estranhei quando, a caminho para o paraíso tropical, em pleno voo, me foram servidas refeições claramente superiores àquelas que normalmente degusto em classe turística. Estranhei, mas como eu quando é para comer activo o modo "urso pardo", tratei do assunto mais depressa do que levaria à hospedeira dizer "O senhor desculpe mas acho que me enganei na sua refeição". A questão não se levantou, até porque todos estavam a comer o mesmo do que eu. Mas não era apenas isso que era bizarro. As bebidas que estavam a ser servidas, normalmente aquelas marcas de confiança e que toda a gente conhece, eram do LIDL. Cortes no orçamento, pensei eu. Mas não era bem disso que se tratava...

A dada altura, ouve-se aquele "clic" tradicional que anuncia que "o piloto vai falar". Mesmo sabendo que normalmente o que dali sai é qualquer coisa como "Ladizendgenilmentdisizorcaptonspkin. Ueeearenaulivinlisbonerepór...", eu acabo por ficar sempre hirto como rocha, temendo que algo de grave se passe e que esteja a ser comunicado aos passageiros como uma extrema-unção.

E o que se ouviu começou por ser isto:

"Senhores passageiros, quem vos fala NÃO É o vosso comandante..."

...

...

Tempo parou para mim...

...

...

Testículos mirraram até ao tamanho de pinhões.

...

...

Veias raiaram nos globos oculares.

...

...

Gotas de urina, libertadas, a conta-gotas.

...

...

Medo. O mais profundo e primitivo medo.

...

Depois deste início de frase, para mim, a conclusão só podia ser uma de três.


1)
"... quem vos fala é o terrorista Yasser Youssef que vai espetar esta capoeira de infiéis no primeiro arranha-céus que encontrar!"

2)
"... quem vos fala é o vosso co-piloto que está neste momento a fazer massagem cardíaca ao comandante sem qualquer sucesso, diga-se."

3)
"... quem vos fala é o tipo que riscou recentemente o carro do Saguim e que voltou para acabar o trabalho."


Portanto, coisa boa não podia ser.

Mas acabou por ser menos má.

Na realidade, a frase inteira foi a seguinte:


"Senhores passageiros, quem vos fala NÃO É o vosso comandante é o chef Olivier que preparou para todos refeições de primeira classe com ingredientes dos supermercados LIDL."


Era publicidade.

Nessa altura, não foi fácil fingir que nada tinha sucedido e que eu não tinha passado por qualquer tipo de aflição. Não falecer acabou por ser simpático, não me interpretem mal, mas quase desejei a morte mais tarde quando fiquei brutalmente mal disposto com a sandes de primeira do Olivier. Ninguém me mandou comê-la, sei disso. Mas quando uma sandes cruza o meu caminho é certo que um de nós vai deixar de existir. E nunca hei-de ser eu porque ser devorado por uma sandes parece-me estúpido.

Chegado ao México, tudo ficou melhor e mais calmo.

Sol.

Praia.

Piscina.

Vendedores ambulantes a burlarem-me à grande.

Tudo na mais profunda paz.

Se há coisa que acontece SEMPRE que me ponho a regatear, SEMPRE, é acabar por ser enganado. Eu afasto-me com um sorriso maroto como quem diz "Eh eh acabei por comprar isto a metade do preço que eles pediram...". Eles vêem-me afastar-me e riem à gargalhada apontando para a minha silhueta, como quem diz "O pacóvio do português acabou por comprar isto pelo dobro do preço que lhe custaria na barraca ao lado...".

Enfim, eu já encaro isto como uma tradição das férias. Para quê combater?

Ao contrário de malta que decide viajar meio mundo para ficar uma semana estendido ao sol, eu opto também por conhecer melhor a cultura da região.

Não que me interesse por cultura, que não interesso, mas a verdade é que eu não me bronzeio: eu avermelho-me. E às partes, que dá um efeito ainda mais giro. Vezes há em que fico vermelho e branco às tiras verticais. Parece mentira mas é verdade. Normalmente quando me apercebo disso sinto que só tenho duas alternativas: ou aguardo que os senhores de bata branca me lancem um dardo tranquilizante para estudarem a nova espécie de manatim bicolor que julgam ter encontrado ou meto-me numa camioneta e vou ver pedras velhas.

Fantástica cultura a dos Mayas. Uns tipos tão inteligentes, tão hábeis e tão sábios em tantas ciências como a astronomia, a arquitectura, a engenharia ou a decapitação... como é que foram tão facilmente conquistados pelos espanhóis???

Portugal, que é Portugal, sempre aqui esteve ao lado e fosse com uma espada, com uma lança ou até com uma pá de meter pão no forno, sempre corremos com os gajos daqui! Houve claramente qualquer coisa que falhou do lado de lá. Se calhar foi a língua. Como lá também se fala espanhol devem-se ter entendido logo, distribuído as tais pulseiras e depois quando deram por isso já não havia Mayas p'ra ninguém.

Dá que pensar.

Bom, o importante é que estou de volta há alguns dias.

O suficiente para constatar que este país não vai a lado nenhum se continuar a insistir neste tempo manhoso. Mas enfim, são políticas e eu nisso não me meto. Votem neles e depois queixem-se.

Ah só mais uma coisa: no México não há sushi de jeito. Também não podiam ser só virtudes. Se o México fosse uma mulher, não ter sushi de jeito, para mim, seria equivalente a ter buço ou os dentes da frente podres. Achei a sujeita engraçada, demos umas voltas durante uns dias, mas quando fui olhar bem encontrei esta incompatibilidade.

Não tem sushi de jeito.

Está morta para mim.

14 comments:

Mima said...

Muito bom!
Eu acho que te deviam pagar para ires visitar mais países, e falares deles depois.
Esperemos que alguma empresa se viagens esteja a ler isto também.
Bem vindo ao cantinho à beira mar plantado, amigo André.
Temos que ir beber uma cerveja portuguesa!

André Oliveira said...

Mima, my friend. Eu também acho isso. Não só acho como é meu profundo desejo. Por favor cria uma petição para que uma qualquer agência de viagens me contrate para esse serviço.

Se fores bem sucedido deixo-te vir comigo e eu próprio te coloco uma pulseira! Eheh

Grande abraço e sim essa cerveja para breve.

Unknown said...

haha, apoio a ideia e ia mais longe, um programa no Travel Channel.. quer dizer.. Sic Mulher prontos, não posso pedir muito, com as desventuras do xor andré parece-me bem, porque uma coisa é ler acerca desse tal de manatim bicolor outra é ver.

E... Chef Oliver?

Mas Jamie Oliver anda assim tão mau de trocos pa agora ser chef de voo?

Isto a cada um...

Pena Frenética said...

sempre em forma e sempre em grande. até já!

André Oliveira said...

Camarada, por mim até podia dar na Regiões TV, que para quem não conhece é espectáculo televisivo 24 horas por dia... Tanto me dá. Esse é mesmo um emprego de sonho!

O chef não era o Jamie Oliver mas sim o português Olivier (penso que é tuga, apesar do nome)...

Abraço

André Oliveira said...

Obrigado, amigo. Um abraço.

Paulo António said...

Tens mesmo a certeza que estiveste no México?
Quer dizer era tudo à "borla" porque já tinhas pago adiantado.
Quanto a viajar na turística isso não é para todos mas sim para aqueles que não têm razão nenhuma em viajar na executiva pois nesta "habitam" os corruptos, os exploradores etc.,etc.
O pior de tudo é retornar ao rectângulo encontrando-o 1000 vezes pior. Lembrando-me da educação que te dei e como deixei de ter momentos zen, grito bem alto: Filhos da p****, Ca****, vão pró C***** e outras tão verdadeiras e sinceras quanto estas.

Peres said...

Epah André, gosto cada vez mais das cenas que escreves. É que eu literalmente começo a rir sozinho aqui em casa, ao ponto de os meus pais me virem perguntar o que se passa, já com uma camisa branca com as mangas um pouco mais compridas que o costume! Continua! Abraço!

André Oliveira said...

Sim, pai mas se eu me pusesse a gritar coisas dessas no avião boa coisa não havia de estar à minha espera cá em baixo depois... Mais vale manter a calma. Eheh

Bj

André Oliveira said...

Grande Miguel. Obrigado pá. Fico feliz que aches tanta piada. Acredita que foste tu que me motivaste a escrever este... Nem estava muito para aí virado mas quando me perguntaste por um novo post é que comecei a pensar nisso. Por isso obrigado. :D

Abraço

Vânia Duarte said...

Eu consigo imaginar-te a fazeres sons de urso a devorares os tacos, as sandes, o sushi e a senhora de bigode, faz parte do teu "encanto", não há nada a fazer.
Enfim...não te esqueças é de comer a fruta mais tarde, diz que faz bem :-P

André Oliveira said...

Melhor ser urso do que Gremlin...

sao said...

Quando os formadores de Escrita de viagens da Escrever Escrever estiverem a viajar, já sei quem vou buscar ao banco dos suplentes. E até dá para encaixar alguns alunos de escrita de humor que tenham ficado de fora! Adorei o suspense da comunicação do Captain. Ficamos a ansiar pela tua próxima viagem!

André Oliveira said...

Obrigado, São! Fico feliz que tenhas gostado. Beijos.