Sunday, February 4, 2007

O homem-frango

Há um restaurante, perto do local onde moro, cuja especialidade é o frango grelhado. Com piri-piri ou sem, o serviço take away é muito requisitado neste estabelecimento. Há tempos, reparei no empregado que tinha a função de grelhar os frangos. Ele fá-lo uma série valente de horas por dia, frango após frango a crepitar no carvão. Ele grelha frangos todo o santo dia, seis dias por semana, quatro semanas por mês, onze meses e meio por ano... meus amigos, tanta ave desta nem o Ricardo e o Moretto de braço dado! Ora, o homem brilha diariamente, gorduroso, atrás do balcão do restaurante. Os frangos são, ao mesmo tempo, as suas inocentes vítimas, os seus melhores confidentes (pois presumo que não terá muita disponibilidade para conversar com pessoas) e os seus mais fiéis amigos (por serem eles que lhe garantem o sustento). Reparei neste homem porque acredito que ele próprio se está, a pouco e pouco, a transformar num frango. E se formos a ver bem até há uma explicação algo científica para esta metamorfose suceder: ele ali está de sol a sol a respirar o fumo negro que brota dos animais que tostam na grelha, a brilhar com a gordura galinácea que lhe paira na face, a inalar nitrofuranos e hormonas a cada segundo. Graças a isto, a bizarra transformação teve o seu inevitável início. No outro dia tentei avisá-lo do que se estava a passar. Mostrei-lhe a fotografia que trazia no seu B.I. e comparei-a com o reflexo da sua cara no espelho. Era absolutamente inegável. O nariz estava mais longo e adunco, os olhos maiores, mais redondos e afastados, nos mãos e braços jaziam grandes tufos de penugem branca... Mas ele não me quis ouvir. Deu-me um encontrão violento e atabalhoado, piou qualquer coisa que não percebi e regressou ao trabalho. Pobre alma que flutuava entre duas criaturas distintas, caminhava para a forma definitiva de um frango e nada fazia para o impedir. Desisti da minha missão de o reconverter à raça humana e fui para casa.
Ontem passei pelo tal restaurante e reparei que diante da grelha estava agora um novo empregado de aspecto jovem e sonhador. Também esta brilhava agora, reluzente, no meio do fumo do carvão. Foi então que vi a grelhar uma ave incomum. Era desmesuradamente grande e destinava-se a uma mesa de executivos que celebravam o aniversário de um tal de Almeida da contabilidade. Não pensei muito mais no assunto... Moro numa zona estranha.

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